Dia 10 – Voltar para casa e as 7 razões pelas quais havemos de regressar a São Tomé

E finalmente chegou o último dia. Já não temos nada planeado a não ser uma vontade inabalável de visitar o mercado e levar coisas boas. Partimos nessa direcção de manhã muito cedo decididos a aproveitar o dia ao máximo.

O mercado é tudo o que esperávamos de caos e alegria. Toda a gente nos incentiva a comprar, por vezes de modo fisico. Já íamos avisados que os vendedores não gostam de ser fotografados, por isso nem tentámos, limitámo-nos a absorver a experiência e a fazer as compras que tínhamos planeado. Conseguimos trazer banana pão e uns limões que se parecem com limas e sabem a qualquer coisa intermédia. Óptimos. Compras feitas resolvemos começar o passeio pelas ruas da capital.

Sendo domingo de manhã as ruas estavam quase desertas porque as pessoas estavam numa das muitas igrejas que enchem a ilha. Foi um passeio tranquilo, mas muito dificil, porque estava um calor sufocante que nos fazia ficar cansados a cada 10 passos. Exaustos e imundos, resolvemos voltar para a Guest House com almoço, e passar o resto da tarde em leve-leve.

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A vista da baía. 

Como já disse inúmeras vezes o melhor desta experiência foi as pessoas que conhecemos. E assim passámos o resto do dia, na conversa com o Edner, dono da Guest House e, surpreendentemente, antigo colega de Geologia. Com o Wagner, alemão que tem como missão ir a todas as capitais do mundo antes dos 50, e com quem trocámos muitas ideias de percursos e passeios. A ele se deve o facto de agora considerarmos Cabo Verde como um destino a conhecer no futuro. A Isabel e a Rosário também se juntaram a nós para contar aventuras desse dia e das experiências anteriores em São Tomé e no mundo. Definitivamente saímos mais ricos desta experiência.

E, para culminar em beleza, o Domingos apareceu por lá com uns mimos da terra para trazermos connosco. Banana-maçã, docinhos, banana-pão e fruta-pão fritas, coisas deliciosas e um lindo ramo de rosas de porcelana que me acompanhou por muitos dias. Memórias que vão ficar.

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O terraço da Sweet Guest House, lugar de descanso e confraternização. Já tenho saudades.
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Um disputado jogo de bola domingueiro. Por cada 3 passes, 2 minutos de discussão sobre a validade do lance. Igual em todo o lado! 
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Os miminhos que trouxemos de São Tomé. Uns comprados, outros oferecidos, todos deliciosos!

É um sítio onde quero muito voltar, por muitas razões, muitas delas dadas pelo Edner ou pelos outros viajantes com quem trocámos impressões. Porque é que queremos voltar a São Tomé?

  1. Visitar a ilha do Príncipe. Todos os que a visitam dizem que a sua beleza é ainda mais deslumbrante que a de São Tomé, e só questões de orçamento (ou falta dele) nos impediram de ir até lá desta vez. Mas falámos com um casal que tinha lá estado numa pensão na capital (evitando o unico e caro resort da ilha) e que recorriam a um motorista para se deslocarem e dizem que assim ficou muito mais em conta. A considerar na próxima viagem.
  2. Ver baleias e tartarugas: desta vez fomos na época da gravana para evitar o calor extremo mas isso impediu-nos de ver este lindissimos animais. Mesmo as tours de barco eram mais escassas porque se acredita que há menos para ver. Peixinho que se preze adora andar de barco e eu não sou excepção, por isso terei de colmatar essa falha.
  3. Visitar o Ilhéu das Rolas: porque é um marco importante. Aparentemente o Equador cruza-se com o meridiano de Greenwich na ilha e isso é um marco a não perder.
  4. Fazer snorkelling junto ao Ilhéu das Cabras: mais uma dica que nos deram, dizem que é fácil de arranjar alguém que nos leve lá, e que é como nadar dentro dum aquário.
  5. Ver os mangais no rio Iô Grande: mais um passeio de barco, pois claro. Mas este para entrar dentro do parque natural do Obô via rio e observar a avifauna, as árvores, todas as maravilhas do interior selvagem da ilha.
  6. Voltar onde fomos felizes: e isso claro significa os sítios onde nos sentimos bem, acolhidos e que nos deslumbraram. Portanto regressar a São Tomé significa obrigatoriamente passar pelo Mucumbli e pela Sweet Guest House e desfrutar de tudo o que têm para oferecer.
  7. Ultimo e mais importante: Viver a vida em leve-leve. Este é o ensinamento que levo daqui que espero aplicar na correria diária de Lisboa.

Até breve São Tomé!

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Viver a vida leve-leve.

 

Dia 9 – As lindas praias do Sul

Este dia começou cedo porque o caminho para o Sul era longo. Felizmente as estradas estão melhores, pelo menos na maioria do percurso. Quando o Domingos chegou para nos vir buscar já nós tinhamos dado um salto à cidade para beber um café. Nada como começar o dia bem cedo e aproveitar todos os minutos. Os santomenses, tanto quanto nos foi dado ver, são muito empreendedores e em cada espacinho fazem uma quitanda onde vendem de tudo um pouco. Os manequins femininos que haviam mesmo ao pé de nós no meio da rua eram deliciosos, com um traseiro de fazer inveja a qualquer modelo europeu escanzelado.

Mas lá fomos em direção ao tão famoso sul de que toda a gente nos falava como ex-libris da beleza, ficando só atrás do Príncipe. A estrada pelo menos começou bem, porque era a melhor que já tínhamos feito e as minhas costas puderam ter um bocadinho de alívio.

01Rio Sul
Como sempre, em cada bocadinho de água doce há gente a lavar roupa.

Passámos pela Roça Água Izé sem parar, vimo-la apenas da janela do carro. A nossa primeira paragem nesse dia foi na Boca do Inferno. Diz a lenda que a D. Amélia que se perdeu na lagoa com o mesmo nome veio sair aqui na Boca do Inferno. Creio que é da praxe haver sempre uma história fantástica com estes sítios de beleza selvagem.

02 Boca do Inferno
Boca do Inferno
03 Boca do Inferno
Ainda a Boca do Inferno

O dia ainda era jovem e banhos viriam mais tarde, seguimos para a praia das Sete Ondas, que como o nome indica tem umas ondas muito bonitas e regulares. Se não tivéssemos guia nunca conseguiriamos dar com estes sitios, porque não estão assinalados e simplesmente se sai da estrada para um bocadinho de terra batida, estaciona-se o jipe e chega-se a uma bela praia onde não está ninguém para além de nós e possivelmente umas crianças.

04 Praia das Sete Ondas
Praia das Sete Ondas
05 Praia das Sete Ondas
Praia das Sete Ondas

Mais uma vez pusemo-nos a caminho, ainda havia muito para ver e o dia tinha de ser bem aproveitado. Próxima paragem Ribeira Peixe. Esta foi a paragem mais estranha, porque entrámos dentro duma aldeia cheia de gente, principalmente miúdos, e ainda tivémos de andar a pé por uns caminhos onde escorria uma água que eu prefiro não pensar muito no que seria. As crianças aqui tinham novamente um ar apático e extremamente pobre, e até os meus elásticos de cabelo que trago sempre no pulso causaram fascínio. Lá ficou o elástico e algumas canetas que trago sempre comigo para tentar animar algumas daquelas caras. No final, a beleza da cascata não apagou a pobreza daquelas caras.

06 Ribeira Peixe
A praia em Ribeira Peixe
07 Ribeira Peixe
A cascata.

De novo no jipe, que havia ainda muita coisa para ver. Mais à frente começamos finalmente a ver o Cão Grande, a famosa elevação que parece nascida no meio do nada e que aparece em todos os guias de São Tomé. O nosso vizinho japonês da guesthouse contou-nos que descobriu o país porque viu uma foto do Cão Grande e pensou: tenho de subir àquilo. Depois viu um documentário sobre São Tomé e resolveu inclui-lo na sua viagem (já estava a viajar há um ano quando o conhecemos, e só vai para algures em 2017).

Infelizmente nesta zona vê-se também a enorme plantação de palmeira que tem vindo gradualmente a substituir o parque natural. Num país com pouco emprego e muitos recursos naturais, uma solução como esta pode parecer ideal como geradora de emprego e riqueza, no entanto se não for feita com cuidado e precauções pode não só matar a biodiversidade única da ilha, como provocar alterações climáticas importantes. Há no Público um artigo antigo mas que reflecte um pouco sobre este assunto. Aqui.

08 Cão Grande
O Cão Grande ali ao fundo
09 Cão Grande
Nesta vista consegue ver-se a extensão da plantação de palmeira que se estende nesta zona de parque natural.
10 Estrada
Matrícula pintada à mão, pois claro. 
11 Rio
O rio Iô Grande, o maior de S. Tomé.
12 Rio
Pode ir-se de barco ver os mangais. Fica para a próxima.

Mais à frente a estrada deixa de ser boa, para deixar mesmo de ser estrada. Chegámos outra vez aos caminhos de terra batida e com eles praias escondidas. Estas, como são mais famosas não estão vazias. Mas em nenhuma delas encontrámos mais de 20 pessoas de cada vez. Acho que dificilmente voltarei à Costa da Caparica com o mesmo entusiasmo. Nem no inverno está tão vazia. Fazemos a visita em crescendo de beleza, e isso significa que começamos pela praia Jalé, seguimos para a praia Piscina e terminamos na deslumbrante Praia Inhame. Nesta existe um eco-lodge que nos parece em espírito muito semelhante ao Mucumbli. Pergunto-me porque não viémos passar aqui uns dias (lembrei-me entretanto porquê, os sitios que escolhemos não foram à toa), mas naquele momento aquela praia parecia o paraíso com o Ilhéu das Rolas como pano de fundo. Foi aqui que fomos dar um belo mergulho e refrescar da viagem.

13 Praia Jalé
Praia Jalé
14 Praia Piscina
Praia Piscina
15 Praia Piscina
O outro lado da praia Piscina
16 Praia Inhame
A praia Inhame – Sem Stress
17 Praia Inhame
O Ilhéu das Rolas
18 Praia Inhame
Praia Inhame – 2 minutos depois da foto estavamos dentro de água. 

Banho tomado, roupa trocada, aproximava-se um momento pelo qual eu ansiava desde Lisboa. Amante de culinária que sou, vi bastante vezes o programa Na Roça com os Tachos, e gosto do jeito do João Carlos Silva, por isso ia com expectativas altas almoçar em São João dos Angolares. E, tal como na fábrica do Corallo, as expectativas foram superadas. Para além de chef ele é também um entertainer e o almoço foi uma experiência única. Com direito a ver a cozinha de fogões a lenha, e ter o chef a vir à mesa falar com todos os convivas. Adorei!

19 Roça Angolares
O enpratamento. O restaurante é também uma escola, e o chef trabalha com alunos da região. 
20 Roça Angolares
A cozinha da roça.
21 Roça Angolares
Tragam-me a banana meus queridos!
22 Roça Angolares
A vista!
23 Roça Angolares
Uma das entradas, ceviche com maracujá. Nham nham!

Estava na altura de dar o passeio por terminado e voltar a São Tomé. Mas o dia estava longe de terminar. Jantámos qualquer coisa cedo em casa (6 e picos tornara-se a nossa hora de jantar habitual), mas o Edner e a Jandira, anfitriões da Sweet Guest House andavam a desafiar os hóspedes para uma festa particular. “Sardinha vs Kuá-Kuá“. Kuá-kuá é o nome dado ao peixe voador quando assado como a sardinha, assim inteiro e só com sal. É o único peixe que os santomenses cozinham assim, todos os outros levam uns temperos próprios (e deliciosos) antes de grelhar.

E assim fomos para parte incerta da cidade, nós e quase todos os hóspedes da Guest House participar duma verdadeira festa santomense. Nesse dia tinham chegado também a Isabel e a Rosário, na sua segunda visita a São Tomé, e foi uma noite de comida, bebida, música e experiências partilhadas. Para nós marcava o fim duma aventura, para elas apenas o começo do reencontro.

Fomos dormir tardissimo e com o coração já cheio de saudades. O dia seguinte seria o último e esperava-nos a ida ao mercado para levar alguns produtos para casa.

Dia 8 – O Centro de São Tomé

O dia amanhece cedo também na cidade, com a diferença que desta vez tivémos que fazer o nosso próprio pequeno-almoço, que foi bastante menos glamouroso. No entanto o terraço da Sweet Guest House oferecia não só alguma protecção contra o calor como oportunidade de socializar com os outros hóspedes enquanto fazíamos tempo para a partida. Era dia de Portugal, e iríamos fazer a visita ao centro onde passaríamos também na Casa-Museu Almada Negreiros. Pareceu-nos apropriado.

O centro é a região natal do Domingos, nosso motorista, e isso vê-se no à-vontade com que cumprimenta as pessoas e com que se movimenta na região. A primeira paragem é na cascata de S. Nicolau, maior do que a que tinhamos visto anteriormente e igualmente bonita. Esta é menos selvagem, e está arranjadinha para permitir visitas e banhocas.

A zona centro é incrivelmente fresca quando comparada com todo o resto de S. Tomé e houve alturas em que quase cheguei a sentir um bocadinho de frio quando o jipe andava mais rápido e a janela estava bem aberta. Soube bem sentir esse fresquinho novamente.

01Estrada
Há de tudo nas estradas em São Tomé.
02Cascata
Cascata de São Nicolau
03Cascata
Ainda na cascata.
04Matabala
Folhas de matabala, um tubérculo comestível que cresce em todo o lado.

Depois de algum tempo na cascata, fomos ver o Jardim Botânico.  Visita guiada só para nós os dois com um guia muito conhecedor mas muito desiludido com a vida. Infelizmente a minha memória é péssima (mas eu ainda não acredito nisso), por isso achei que me ia lembrar de todos os nomes fantásticos das plantas que vimos, e lembro-me de aproximadamente zero. Fica a nota que são quase todas afrodisíacas, o guia tentou vender-nos a sua mezinha caseira durante toda a visita, e mesmo num dia tão cinzento como aquele o jardim é lindissimo apesar do ar ligeiramente decadente e abandonado. Dos 22 guias de antigamente restam apenas 3 após São Tomé ter perdido acesso a uns fundos de auxílio internacionais para conservação. Não se cobra bilhete mas a melancolia do local convida a deixar um contributo que é devidamente registado num livro. Espero que a desilusão com a vida tivesse a ver com o tempo nublado daquele dia, e não seja uma constante daquele senhor, mas sinceramente duvido. Tivémos o bónus de nos explicar a diferença entre feiticeiro e curandeiro e o simples mal de invejas, e que há plantas para curar e proteger de tudo isso.

05Rosa de Porcelana
Se bem me lembro, esta é uma rosa de porcelana.
06Bico de Papagaio
Bico de papagaio.
07Bico de Papagaio
Bico de papagaio
08Begónia
As eternas begónias.
09Feto
A beleza dos fetos.
10Orquideas
O mais perto que estivemos do Príncipe.
11Aranhas
Pois… elas andam por lá.
12Jardim Botânico
Mais uma planta lindissima que não me recordo o nome.
13Rabo de Gato
Rabo de gato.
14Jardim Botanico
Mesmo num dia tão nublado, a vista do jardim botânico é fenomenal.
15Cientistas
Tantos, e tão poucos para tanta riqueza.

Novamente a caminho, parámos de seguida no “quintal” do Domingos. Uma coisa que reparámos neste passeio ao centro foi na multitude de pedacinhos de terra cultivados de legumes, tão diferente das bananeiras caóticas que víramos no norte. E realmente o Domingos tem um belo cantinho cheio de legumes cultivados e uma vista linda e partilhou-o connosco.

16Quintal
O “quintal”.

Paragem seguinte, a Casa-Museu Almada Negreiros. Novamente o luxo dum guia só para nós e uma visita muito interessante. Até ter começado a pesquisar esta viagem não fazia ideia que o Almada tinha nascido em São Tomé e o trabalho que esta associação está a fazer parece-me muito interessante, principalmente na envolvência com a comunidade em que estão inseridos. Deixaram o repto: se tivermos coisas do Almada que queiramos doar, eles aceitam, por isso estendo este pedido a quem lê estas linhas. Importante, especialmente se considerarmos que algumas das poucas doações que eles têm já foram roubadas por visitantes.

17Almada Negreiros
A Casa-Museu. Só as fundações são originais já que estavam num estado avançado de degradação. Está tudo a ser reconstruido aos poucos.
18Almada Negreiros
Pormenor do terraço
19Almada Negreiros
Pormenor da zona de exposições, máscaras feitas por artesãos locais.
20Almada Negreiros
O restaurante.

Este prometia ser um dia cheio, e dali partimos para a Roça Monte Café onde fomos almoçar e ver um bocadinho do processo do café. Cada vez que o carro parava percebíamos que afinal o dia estava muito quente, e eu estava novamente mais em baixo de forma. Mais um almoço de peixinho e uma visita interessante se bem que curta. Depois disso fomos para a cidade descansar no terraço e fazer tempo para a segunda parte do dia, a visita à fábrica de chocolate do Cláudio Corallo. Pelo meio ainda conhecemos a Marta, a organizadora dos nossos passeios destes últimos dias. Viajar a São Tomé é acima de tudo uma experiência social e as pessoas que conhecemos foi o melhor que trouxemos desta aventura.

21Roça Monte Café
A Roça Monte Café
22Roça Monte Café
Café a secar numa estufa solar.
23Roça Monte Café
Café a secar numa estufa de forno.

Mas entretanto lá fomos para o Corallo e acho que nada me tinha preparado para o que ia acontecer. Não tinha lido nada sobre isso, por isso fui totalmente surpreendida. O Claudio ele próprio faz a visita, que consiste em provas de vários chocolates, como se fossemos escanções de cacau. Divinal! Tudo, desde a eloquência do Claudio até a todos os chocolates que provámos. Foi precisa muita força de vontade para não estourar o orçamento e o espaço nas malas todo naquela tarde.

24Corallo
O Claudio Corallo a explicar como chegou ao melhor chocolate do mundo.
25Corallo
O C. Corallo a distribuir o melhor chocolate do mundo…

Visita do dia terminada, pedimos ao Domingos para nos deixar no centro da cidade. Fomos até à marginal e ficámos lá a fazer o mesmo que muitos santomenses, a namorar! Depois de caminharmos um bocadinho a absorver a energia fabulosa da cidade fomos petiscar ao Café do Xico e de repente sentimo-nos transportados a um qualquer Café Central duma vila portuguesa. Àquela hora eu era a única mulher presente, e o grande ecrã gigante preparava-se para dar o jogo de estreia do Europeu. Havia olhares de soslaio para os intrusos que ocuparam uma mesa com uma vista privilegiada para o jogo, e claramente não tinham interesse em vê-lo (foi sem querer!). No final comemos uma tosta mista e um sumol por tuta e meia e viemos embora recuperar forças, para gáudio de quem saltou para agarrar a nossa mesa.

Mais descontração no terraço com os nossos vizinhos da Guest House antes de irmos dormir, e o dia seguinte ia ser longo. A aventura ainda não tinha chegado ao fim.

Dia 7 – Passeio pelo Norte

Estava na hora de rumar a novas paragens e depois dum último pequeno-almoço principesco, felizmente com direito a papaia, estávamos prontos a embarcar. Despedidas feitas, ficámos tristes por deixar a Ana que tinha sido uma grande companhia nesses dias. Viajar também é isto, conhecer pessoas novas, trocar experiências, e esta viagem foi sem dúvida mais generosa neste aspecto do que as costumeiras que temos feito pela Europa. Mais um factor que nos levou a voltar completamente apaixonados por esta pequena ilha.

Com uma pontualidade santomense o nosso motorista veio buscar-nos. O Domingos iria ser o nosso companheiro de viagens nos próximos 3 dias e desvendar um bocadinho do muito que a ilha tinha para oferecer. Partimos em direcção a Santa Catarina pelo bocado que já tinhamos conhecido quando da nossa caminhada pelos túneis. Felizmente desta vez fomos só até ao túnel de Santa Catarina e não passámos novamente pela vila que eu acho que o meu coração não ia aguentar. Ainda tinha as imagens de pobreza bem gravadas na minha mente (ainda tenho) e não queria revive-las. Por isso foi com alívio que vi que voltavamos para trás no túnel.

01Praia Brita
A já conhecida praia Brita
02Tunel Sta Catarina
O túnel de Sta Catarina.

Voltámos para trás na estrada, passámos novamente pelo Mucumbli, Neves, e daí em diante era território inexplorado. Agora, dia de semana, Neves parecia uma cidade tão normal. As duas vezes que tinhamos por lá passado foi numa sexta à noite e num domingo de manhã e de ambas as vezes nos pareceu uma feira com toda a gente na rua. Aliás, no domingo de manhã tinha passado por uma senhora a vender uma cabeça de tubarão na rua, o que me deixou um bocadinho inquieta de cada vez que ia ao mar nos dias seguintes. Mas agora era um dia de semana perfeitamente normal, os meninos estavam na escola, e parecia uma cidade muito pacata e tranquila. Ficámos com pena de não termos explorado mais.

A estrada do norte é uma aventura cheia de enormes crateras, uma verdadeira gincana para qualquer condutor. Quando olhamos para o mar vemos sempre os mesmos pescadores artesanais e as mulheres a secar roupa nas pedras negras. Passado pouco tempo estávamos num dos ex-libris do norte, a Lagoa Azul. O nome já deixa antever o que é, uma enseada onde o mar é espectacularmente azul e as fotos obviamente não fazem justiça. Como em todas as outras zonas turisticas a que fomos, estavamos sozinhos. Nunca haviam mais do que algumas pessoas, e esse foi um dos maiores encantos de toda a viagem, a falta de pressão de pessoas, do turismo desenfreado, do termos que lutar por espaço e por paz de espírito. Da Lagoa Azul seguimos para a Praia dos Tamarinos para dar um mergulho, ideia que parece mais esperta do que foi na realidade porque sem a ajuda dos meus habituais sapatinhos de borracha magoei os pés nos calhaus rolados, levei com uma forte onda no rabo quando ia a sair e raspei um joelho todo no chão. Como dizem os ingleses: small price to pay. A água estava maravilhosamente queste e cristalina.

03Estrada Norte
Destroços de navios na estrada do norte
04Lagoa Azul
A Lagoa Azul, a verdadeira e não a cinematográfica.
05Praia Tamarinos
A praia dos Tamarinos (Tamarindos?)

O programa para o almoço era santola, aparentemente uma iguaria santomense, mas os peixinhos não comem marisco por isso fomos novamente para o peixe assado. E comemos um belo petisco, parecido com pastel de bacalhau mas versão fruta pão. Por mim tinha almoçado só aquilo, tão bom que era.

Depois de almoço passámos pela Roça Agostinho Neto. Grande, cheia de gente a viver e meninos fora da escola, como muitas das que passámos. Em São Tomé, pelo que percebemos, a escola primária é de manhã ou de tarde, por isso há sempre meninos a brincar a toda a hora. Os meninos do norte não estão tão habituados a turistas e ainda não têm o ritual de pedir doces quando passamos. Aqui já vieram ter connosco com o cântico costumeiro: doce, doce. Não tinhamos doce mas tinhamos uma caixa de lápis de cor que causou as delicias de 12 meninos, especialmente do que “pegou o violeta“.

Fomos ver um secador de cacau, de estufa e de forno, e o cheiro era maravilhoso.

06Roça Agostinho Neto
Roça Agostinho Neto
07Roça Agostinho Neto
Ainda a Roça Agostinho Neto
08Roça Agostinho Neto
Os meninos a pedir doces.
09Roça Agostinho Neto
Peguei o violeta!
10Secador cacau
Cacau a secar na estufa
11Secador Cacau
Cacau a secar com calor por baixo.

Era tempo de recolher à cidade de São Tomé. Depois de tantos dias protegidos no Mucumbli a cidade parecia-nos um pouco caótica. Ficámos na Sweet Guest House e fomos logo recebidos num maravilhoso terraço onde corria uma brisa. Seria aí que faríamos as refeições nos próximos dias, e onde passaríamos belos momentos de conversa com os outros hóspedes. O Domingos só nos deixou depois de ter a certeza que estávamos no sítio certo e com as malas seguras, e no dia seguinte teríamos novo passeio.

Fomos recebidos pela Jandira que nos fez uma introdução à geografia da cidade e nos ofereceu um precioso mapa que nos guiou nos dias seguintes. Mesmo com instruções precisas de como chegar ao supermercado ainda conseguimos andar meio perdidos nas ruas de São Tomé. Mas a cidade tem uma luz e uma côr muito próprias e aproveitámos por dar uma voltinha a pé.

De volta à Guest House foi banhinho e jantar no terraço. Jantar às 7h da noite (ou um bocadinho antes) estava a tornar-se rotina. Nessa noite conhecemos o nosso colega japonês e alemão e estivémos em amena cavaqueira. Depois caminha cedo que no dia seguinte haveria novo passeio e nova descoberta!

Dia 6 – Adeus ao Mucumbli

Nesse dia acordámos com o coração pesado porque a estadia no Mucumbli estava a chegar ao fim, e isso significava que também os dias em São Tomé estavam a entrar na reta final. Não percebia como era possível que uma coisa que tinha acabado de começar pudesse estar a aproximar-se do fim. Havia ainda tanto para ver e descobrir naquele pequeno país. Resolvi pôr as ansiedades de lado e desfrutar em pleno do que ainda me restava.

Comecei por me entreter a fotografar as canoas enquanto a cara metade dormia. Mal passava das 6h, não valia a pena ter pressa, mas já era dia claro e queria aproveitar todos os minutos.

Canoas
Pensamos nós que o paddle board é um desporto radical, e afinal estes pescadores fazem-no há gerações.
Canoas2
Mais uma canoa solitária.
Canoas3
Nada a fazer contra o poder dum motor.
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Havia para todos os gostos, incluindo estas a vela.

Depois desta sessão fotográfica, rumámos ao pequeno-almoço, divinal como sempre. Já em Portugal devo dizer que ainda é difícil comer fruta ou beber café sem me lembrar com saudades dos pequenos-almoços do Mucumbli. Enfim, haveremos de voltar. De seguida praia com sabor a despedida. E desta vez sem a companhia dos nossos novos amigos, que com a curiosidade sobre nós saciada no dia anterior resolveram ir brincar para novas paragens.

Almoço rápido e sobremesa no terraço! Acho que podia passar meses lá sem nunca me cansar daquele terraço maravilhoso. Desta vez a experimentar banana prata seca (voltarei a ser capaz de comer bananas por aqui?) e a ver um dos nossos programas de “televisão” favorito: O Vôo do Falcão. O outro era A Guerra das Osgas. Sim, o Mucumbli não tem televisão, mas sinceramente nunca nos fez falta e até agradeci a falta de “ruído” que isso provoca.

Banana Seca
A banana seca do Mucumbli… é deliciosa.
Falcões Mucumbli
Os falcões em pleno vôo (na realidade são milhafres-negros).

Resolvemos ir explorar um dos muitos caminhos pelo meio das bananeiras antes que anoitecesse. Foi uma aventura, quente como sempre, estava irrespirável (estação fresca, estação fresca), mas valeu a pena. Andámos atrás de lagartos, a passar pontes instáveis e divertimo-nos como miúdos. Claro que fomos devorados por mosquitos apesar de estarmos cobertos de repelente. Repelente é o prato favorito do mosquito santomense.

Bola
Bola, o cão residente que se mete com os turistas sempre que acha que vai ganhar comida e que os ignora no resto do tempo.
Flor Mucumbli
Há sempre flores em todos os caminhos no Mucumbli.
Cacau
Cacau, por todo o lado em todas as fases de maturação. É fascinante ser sempre verão.
Bananeiras
As bananeiras de todo o género e feitio.

Final do dia um belo jantar de barracuda com banana pão e fruta pão. Come-se tão bem em São Tomé, e em 9 dias nunca comi carne. E os santomenses que dizem generrrrrosa e carrrrroço depois dizem baracuda. Adoro, todos os dias aprendia uma coisa nova. Tivémos de nos controlar para não raptar a cozinheira e trazê-la na mala.

Barracuda
Barracuda, com banana frita e fruta pão assada.

Viémos embora no dia certo porque nessa noite o Mucumbli ficou cheio de cientistas que estavam lá a fazer um encontro. Vinham de várias partes do mundo e percebia-se que estudavam África, não só São Tomé, mas o sossego ia acabar por isso era tempo de irmos para outras paragens. O Mucumbli deixou muitas saudades, espero voltar um dia e desejo que tenha muito sucesso mas que mantenha a autenticidade. E espero que a Ana tenha uma excelente nota no estágio.

No dia seguinte esperava-nos mais um passeio pelo Norte da ilha e a mudança para o novo alojamento já na cidade de São Tomé. Novas aventuras a caminho!

Dia 5 – Uma praia cheia de sorrisos

Acordar no Mucumbli é uma experiência única. Por volta das 5h30 da manhã começa a ouvir-se um ruído como se estivessemos mesmo à beira duma estrada, mas na realidade são apenas os primeiros pescadores que estão a partir para o mar nos seus barcos a motor (ou os últimos a regressar duma noite de pesca de peixe voador). Juntamos a isto a fauna de pássaros e temos uma sinfonia ininterrupta até finalmente nos levantarmos da cama. Muitas manhãs levantei-me mais cedo e fui para o terraço absorver o “fresco” matinal, os sons, os cheiros e apreciar o facto de que finalmente estava em África e no país com que sonhava desde miúda.

Canoas
As canoas a regressar a Neves ao inicio da manhã

Nessa manhã e contrariamente ao que tinha acontecido até aí, a praia não era só nossa. Éramos 7 pessoas no total. Nós, um casal russo, um casal francês e a Ana que tinha vindo ter connosco depois de treinar os burrinhos no passeio. Casa cheia. Como havia gente no areal pudemos fazer snorkelling à vontade sem receio que o nosso amigo patudo do costume nos viesse tentar roubar a mochila. Foi o melhor dia para ver o fundo do mar, até teve direito a moreias. Só saímos de dentro de água por receio de torrar demasiado as costas. E na realidade minutos depois eu acabei por voltar.

E vejo chegar ao longe um grupo de cerca de 20 meninos com a farda da escola a encaminharem-se para a praia. As nossas amigas do dia anterior tinham trazido os colegas para ver as pessoas estranhas que estavam na praia, e melhor, tinham o bónus de ser mais. Como os outros casais não falavam português cedo se desinteressaram deles e ficaram só a fazer-nos companhia.

Primeira tarefa foi apedrejar as árvores. O caroço (carrrrrroço em sotaque local) é um fruto que se come a parte de fora, parte-se o dito cujo caroço e tem uma semente semelhante a uma amêndoa por dentro que também é comestível. Os nossos amigos tinham pontaria e fizeram cair imensos maduros, e quando isso falhou toca a descalçar e a subir às árvores.

A tatuagem da Ana revelou-se entretém para uns largos minutos, eram uns pássaros a levantar vôo e deixou-os fascinados. Tal como as nossas (possíveis) relações familiares. Três pessoas juntas na praia têm obviamente de ter uma relação familiar qualquer para além da simples amizade e a primeira conclusão é que a Ana era nossa filha. O meu desagrado foi bastante vocal, mas caramba, apesar de ser tecnicamente possível eu ser mãe duma mulher de 24 anos, não quer dizer que essa ideia me seja simpática. “Estão a chamar-me velha?”

Depois de muita conversa e brincadeira, os meninos vão todos para a água atirar pedrinhas.  Há muitos anos que eu não brincava assim na água, e resolvi juntar-me a eles com a Ana. O Peixinho Vermelho já tinha tido a sua quota parte de raios solares do dia e ficou à sombra a fazer companhia a um menino caladinho que não se juntava às brincadeiras. Mas foi um desastre total. Por mais que o Rai, o meu novo amigo, me desse as melhores pedrinhas da praia, elas simplesmente se afundavam com um ploc, enquanto ao meu lado a franzina Suzete mandava lindos voos de 5 saltos com as suas pedritas. “Mais força senhora” diziam-me eles a rir. Isso, façam pouco da velhinha, que nem tem força nos braços.

A brincadeira terminou com um merecido banho de mar e muitos risos à mistura. “Vem ao banho connosco, senhora?” As meninas sempre que podiam agarravam-me os cabelos para sentir a textura, tão diferente dos delas. Foi uma risota pegada, e sem dúvida o melhor banho que tomei em São Tomé.

Perto da uma a brincadeira acabou com a urgência de quem terá mães em casa à espera para o almoço e largaram todos a correr em direcção a Neves. Nós voltámos para cima de coração cheio e sorrisos na cara. Não há fotos porque há momentos que são só para viver.

O resto do dia passou-se a desfrutar da vista, do terraço e do calor. Jantar espetada de peixe, acompanhada de banana pão frita. Tudo delicioso como sempre. Mais um dia estava para vir.

Mucumbli 2
A eterna vista do terraço.
Papaia
As papaias que crescem por todo o lado.
Mucumbli
É sim senhora!

Dia 4 – Descansar e burricar

Depois dum dia de caminhada estávamos oficialmente de rastos. Eu mais que o outro confesso. O calor misturado com os efeitos do comprimido anti-malária tornaram-me uma pessoa muito pouco funcional neste dia. E completamente dependente de ultralevur e imodium deste dia em diante. Mas, como já disse a alguém, pequeno preço a pagar para desfrutar do paraíso.

Depois do já costumeiro pequeno-almoço de fruta fresca, sumo natural e hoje sem ovo por razões acimas descritas, fomos mais uma vez relaxar na praia. Passadas umas horas apareceram 3 meninas com a farda da escola da Irmã Lúcia que nos vieram cumprimentar e investigar, como seres estranhos que éramos. O mais engraçado era a maneira descomplexada como faziam comentários sobre nós entre elas, como se não as pudéssemos ouvir, ou, mais realisticamente falando, completamente desinteressadas do facto de as conseguirmos ouvir. Acabámos a partilhar o nosso lanche com elas antes de voltarmos para cima.

Praia Mucumbli
Eu e um pescador artesanal naquela manhã de praia.

Optámos por ter um dia mais relaxado, e depois da praia e duma refeição ligeira fomos passear pela propriedade que tem muito que ver. O Mucumbli tem um programa de criação de burros com o apoio da Embaixada da Austrália, e pudémos vê-los a passear tranquilamente, a comer ou a recolher a galope ao sítio onde passam a noite. A Ana, estagiária em eco-turismo que estava no Mucumbli por esta altura e que tantas vezes nos fez companhia, está a desenvolver um programa de passeios para crianças com alguns dos burrinhos, mas não chegámos a acompanhá-la.

Depois do passeio o dia acabou da maneira a que já estávamos habituados. Pôr-do-sol no bungalow e jantar cedo com a bela cerveja nacional, Rosema, cuja fábrica era ali mesmo em Neves. O dia seguinte estava já ao virar da esquina.

Flor S Tome
Flor à porta do quarto
Flor S Tome 2
Mais uma das muitas flores que embelezam o Mucumbli
Por do Sol Mucumbli
O pôr-do-sol visto do Piri-Piri
Rosema
Uma Rosema fresquinha para terminar o dia.

Dia 3 – Caminhar na floresta

O nosso terceiro dia em São Tomé começou cedo. Tinhamos planeado um passeio aos túneis e à Cascata dos Angolares, disponibilizado pelo alojamento, e íamos aproveitar a boa vontade do guia e do motorista para deixar uma mala com roupas e sapatos de criança com a Irmã Lúcia na Paróquia de Neves.

Antes de irmos o Peixinho Vermelho teve a ideia de aproveitar o facto de cada um poder levar 2 malas na TAP para arranjarmos uma com roupas de criança. Como não temos filhos, recorremos ao sistema de suporte dos nossos amigos e muitos se disponibilizaram para tornar esta vontade uma realidade, e até a mala que levámos foi oferecida por uma amiga. Uma gota de água no mar de necessidades de São Tomé, mas de pequenas gotas se faz um oceano.

Assim restava a tarefa de, sem transporte, levar a mala até à Irmã Lúcia, com quem já tínhamos estado em contacto. Valeu-nos a simpatia do guia e do motorista, que vimos pela reacção que adoram a Irmã (ela é uma santa, foi como a descreveram), e assim a fomos buscar a meio da Eucaristia de Domingo para receber as coisas. Fez-nos uma mini visita guiada às instalações, e não nos pudémos demorar mais tempo por causa do casal russo que nos acompanhava e que também ia fazer a visita aos túneis. Mas deu para perceber o muito trabalho que a irmã faz naquela comunidade. Uma escola com mil crianças, um lar com 150 idosos, uma oficina de carpintaria outra de costura e apoio domiciliário a todo o distrito de Lembá. Ficou a vontade de voltar a Portugal e pensar em mais estratégias para fazer chegar o nosso apoio.

Paroquia de Neves
Igreja de Neves
Neves
A caminho de Neves, como em todos os bocadinhos de rio que víamos, as mulheres a lavar roupa.

 Terminada esta tarefa, estava na altura de rumarmos aos túneis, bem dentro da floresta de São Tomé. Para lá chegar tivémos um difícil mas delicioso percurso de jipe por estradas que dificilmente merecem esse nome. Atravessámos as localidades de Ponta Figo, Generosa (generrrrosa, dito com sotaque local) e vimos os primeiros cacaueiros. Melhor, provámos o primeiro cacau, assim, tirado da árvore, com cuidado para não trincar porque amarga. Delicioso e estranho porque não é em nada parecido com o chocolate.

Ponta Figo
Ponta Figo
Generosa
Generosa
Generosa2
A Generosa tinha uma vista espectacular!
Cacaueiro
Um dos muitos cacaueiros que encontramos à beira da estrada.
Cacaueiro2
O nosso guia, Nito, a escolher uns cacaus maduros.
O Cacau
O Nito a preparar um fruto de cacau para provarmos.

O senhor Agnaldo, novamente o nosso motorista, ia desfiando sem parar o nome das árvores que íamos vendo pelo caminho. Ele e o guia, Nito, eram ambos nascidos e criados na zona, por isso conheciam-na muito bem e sabiam transmitir-nos isso. Os nossos colegas russos aproveitaram menos desta visita, porque mesmo a nossa tradução para inglês não os ajudava muito. Admiro pessoas que se aventuram num país estrangeiro onde mal conseguem comunicar. Pelo que pude observar nos dias em que estivémos juntos, isso nunca foi impedimento para que, com mais ou menos esforço, eles conseguissem o que queriam.

O que mais me impressionou nesse dia, como nos outros em que fizémos passeios em S. Tomé, foi a abundãncia de comida sempre disponível em toda a parte. Há imensas árvores de fruto, de diversos tipos, e sempre com fruta madura. É só apanhar e comer. E pelo que me foi dado experimentar, não há nada naquela ilha que não seja delicioso.

Finalmente chegámos ao percurso a pé, e a primeira parte foi uma “maravilhosa” subida, muito cénica mas muito dificil, principalmente se tivermos em conta que estava um calor absurdo (época fresca era o meu mantra interno, para aguentar os primeiros kms). Tudo o que víamos era deslumbrante, e um dos sítios em que parámos para eu recuperar o fôlego era uma parede feita de raízes de árvore. O guia era óptimo e estava sempre a ver se eu ainda falava e estava viva (alguém me explique como é que os russos aguentam o calor como se não fosse nada com eles) e ía-me dizendo quanto tempo faltava para entrarmos nos túneis.

Quando finalmente entrámos nos túneis a experiência mudou completamente. Eu, parva, puxei as calças um bocadinho para cima, achando que ia ter água pelos tornozelos. Como sou baixa, houve alturas em que estava pelo meio das ancas. Mas era água muito fresca e eu senti que estava a voltar de novo à vida. Como levava os meus sapatos de borracha de ir à praia, conseguia alternar facilmente entre os túneis e caminhada em chão normal, mas não aconselho a levarem chinelos. O facto de não se ver debaixo de água pode fazer com que nos sintamos inseguros e uma simples folha pode parecer um bicho horrível, mas pior que isso deixamos os dedos vulneráveis a alguma pedra mais escondida. Também não aconselho a tocar nas paredes dos túneis por causa das aranhas, nunca se sabe quando alguma pode ter uma picada mais agressiva. Tirando isso, só morcegos, lindos, búzios terrestres (imaginem caracoletas, mas maior), e uns bichos de conta tamanho familia. Tudo inofensivo.

Tuneis
Caminho perto dos túneis
Tuneis2
O primeiro túnel.

Depois de percorrermos o primeiro túnel , que era maior do que eu antecipava, saímos para uma paisagem deslumbrante, a cascata dos Angolares. Valeu a pena todo o caminho até ali, a barra energética que tive de comer e os litros de água que tive de beber. É deslumbrante e ficamos com uma sensação de missão cumprida. Senti-me como se estivesse no interior da cratera dum vulcão, e esperei que a qualquer instante um pterodáctilo cruzasse os céus. Não aconteceu, mas ao menos refrescámo-nos na cascata (nós e a máquina fotográfica, que nunca mais foi a mesma).

Cascata Angolares
A cascata, com o Peixinho Vermelho para escala.
Cascata Angolares 2
Isto era o que víamos do céu. Se olharmos para a foto 5 minutos sm pestanejar conseguimos ver o pterodáctilo. Ou não.

Depois de fazer seis túneis não voltámos a encontrar uma cascata como esta, mas toda a paisagem valia a pena. Estávamos rodeados de verde por todo o lado ouviam-se os pássaros a cantar. Era um conto de fadas.

Caminho
O final do caminho.

No final chegámos à barragem (muito diferente do que aqui chamamos barragem, na realidade eram uns enormes depósitos de água) e voltámos ao jipe para regressar. Mas mal sabíamos que ainda nos esperava uma tarde magnifica de surpresas.

Depois de fazer o caminho contrário, o Sr. Agnaldo diz que era dia celebração da vitória do Benfica no campeonato na praia Monte Forte e se queriamos passar por lá para ver. Claro, diz o benfiquista Peixinho Vermelho. Diz-nos também que a maioria dos santomenses são benfiquistas apesar dele ser uma excepção, já que é sportinguista. E assim começou um belo passeio pela zona norte da ilha. A festa do Benfica estava alucinante. Um mar de vermelho numa praia ao fim de tarde. Têm de acreditar em mim, que não tirei fotos. Daí fomos para o local onde os primeiros portugueses desembarcaram em S. Tomé, o padrão Anambó. Depois para Santa Catarina, uma das aldeias mais pobres e sem dúvida das experiências mais difíceis. Mais uma vez não tirei fotos, porque simplesmente não fui capaz. Mas depois de Santa Catarina, onde a estrada acaba e já vemos café em vez de cacau, viramos para dentro do mato cerrado, entramos no “quintal” dum senhor que nos recebe de catana na mão (toda a gente tem catana em São Tomé, até crianças pequenas. É como nós andarmos com um canivete na mala). O Sr. Agnaldo explica-lhe que vamos só ver a praia e desembocamos numa pérola escondida, a praia Boca Bela. Linda, deslumbrante, e aparentemente local onde vinham os nossos guias em miúdos.

No regresso para casa ainda temos tempo de ver um famoso peixe voador acabado de pescar, e quando já estamos a ver o pôr-do-sol no nosso bungalow o Nito ainda nos vem presentear com deliciosas bananas-prata e laranjas santomenses. Dificilmente poderia ter sido um passeio melhor, com melhores guias e melhores companheiros de viagem, mesmo que só nos entendessemos parcialmente. No dia seguinte haveria mais.

Padrão Anambo
Local onde os primeiros portugueses chegaram a S. Tomé, o padrão Anambó
Padrão Anambo 2
Ainda no padrão Anambó
Roça Diogo Vaz
A caminho da roça. Neste momento a ser explorada por uma empresa camaronesa.
Roça Diogo Vaz 2
Na roça Diogo Vaz. Mesmo com o céu assim nunca chegou a chover.
Roça Diogo Vaz 3
Eles estão em toda a parte…
Roça Diogo Vaz 4
Os secadores de caucau da roça Diogo Vaz
Praia Brita
Praia Brita – com pedra em vez de areia.
Tunel Sta Catarina
O túnel de Sta Catarina
Sta Catarina
Sta Catarina ali ao fundo
Praia Boca Bela
A Praia da Boca Bela tem esse nome devido aquela abertura na rocha.
Praia Boca Bela 2
Ainda a Boca Bela
Sta Catarina 2
O peixe-voador.
Bananas e Laranjas
Banana e laranja. Parecem comuns mas não são. São maravilhosas.

Dia 2 – Descobrir o Mucumbli

Mucumbli - Praia
A praia do Mucumbli

Para organizar esta viagem (como para qualquer outra) fizemos imensa planificação e investigação na internet. Para mim isso é metade do divertimento, e permite-me prolongar o prazer de viajar por mais tempo. Uma das coisas que não queriamos era ficar numa das tradicionais cadeias de hoteis, desligados da vida local. Queriamos unidades mais pequenas, que sentíssemos que contribuiam mais para a comunidade onde estavam inseridas, e neste espírito surgiu a ideia de ficar no Mucumbli onde acabámos por passar a maioria dos dias.

Acordar neste eco-lodge é uma experiência única, já que os inúmeros pássaros que habitam a região enchem a manhã de cantos e sons desde muito cedo, e por muito cedo quero dizer 5h da manhã. É impossível não acordar bem disposto quando a primeira coisa que vemos é um mar imenso lá ao fundo e lembramo-nos de onde estamos. África, versão condensada em ilha.

Os pequenos-almoços eram maravilhosos sempre, fruta fresca, ovo, sumo natural. Tudo servido com calma para nos permitir apreciar a paisagem do terraço. Todos os dias agradecia interiormente o imenso privilégio de estar ali a desfrutar daquele local. Depois do pequeno-almoço rumámos à praia, que estava absolutamente por nossa conta. Sei que tendencialmente as pessoas preferem praias de areia branca e coqueiros, mas eu prefiro praias sem ninguém e com vida selvagem, por isso esta era perfeita para mim. Duma vez contámos 18 milhafres-negros (que os santomenses chamam falcão) e 3 garças a sobrevoar-nos, para não falar dos peixes, caranguejos e afins.

Levámos equipamento de snorkel (baratinho, da Decathlon), e era como se estivéssemos a nadar dentro dum aquário. Infelizmente consegue perceber-se que a costa (pelo menos a Norte que na sul não experimentámos) está bastante explorada, e o coral muito estragado por redes de arrasto, mas mesmo assim deu para ver imensas espécies de peixe, estrelas-do-mar, ouriços. E se não tivéssemos cuidado um cão quase nos roubava a mochila abandonada enquanto estavámos distraídos com o fundo do mar. Foi por pouco.

O calor não foi tão mau como tínhamos antecipado. Por um lado porque tinha feito as piores previsões na minha cabeça, ia preparada para ter dificuldade em respirar, por isso a agradável brisa marinha que encontrei foi uma surpresa boa. Por outro lado, como diferentes pessoas me disseram várias vezes, esta época (a gravana) é a mais fresca do ano e mesmo a água não é tão quente (ainda bem, digo eu que gosto de refrescar). E por fim, os bungalows estavam mesmo em cima do mar, construidos de forma a aproveitar o máximo da brisa, havendo mesmo alturas em que tapar-me com os lençois me soube bem (mas nunca com o edredon, não cheguemos a tanto).

Nessa noite jantámos polvo grelhado, maravilhoso, relaxámos na varanda só nós e os mosquitos (imensos, alimentados a repelente), a ouvir os caranguejos terrestres, os morcegos da fruta e as imensas osgas. É como viver dentro dum programa da National Geographic. Perfeito para quem, como eu, teve Biologia como formação.

No dia seguinte novas aventuras.

Mucumbli - Praia 2
Ainda a praia do Mucumbli 
Mucumbli - Pescadores
Os pescadores artesanais que passam o dia no mar
Mucumbli - Concha
As conchas, muito roladas pelas ondas suaves, que fazem um imenso contraste com a areia escura.
S Tome - Falcoes
Os falcões de São Tomé, que enchem o céu com os seus gritos caracteristicos
Mucumbli - Terraço
O terraço do Mucumbli, sem paredes como convém, para aproveitar toda a brisa do mar quer seja ao pequeno-almoço, quer seja a beber uma cerveja Rosema ao fim da tarde.
S Tome - Bananeira
As eternas bananeiras, de várias espécies, com a flor na ponta que só abre de noite e chama os morcegos. As melhores bananas que já comi. 
S Tome - Flores
O caminho para os bungalows estava colorido de flores. 
S Tome - Aranhas
Há certas coisas que não podem faltar se falamos de um sítio selvagem e natural, para desespero de alguns. 
Mucumbli - Por do Sol
A tarde termina aqui, a ver o pôr-do-sol, privilégio de estarmos no norte da ilha. Mas sempre com repelente. Amanhã será outro dia. 

Dia 1 – Pôr os pés em São Tomé

Mucumbli - Piri-Piri
Mucumbli – Quarto Piri-Piri

Chegámos já de noite, porque anoitece muito cedo em São Tomé, e o cheiro que nos recebeu foi avassalador. Era tropical, quente, de flores, frutos e mar. O calor era mais que muito, a humidade indescritível e eu relembrei-me interiormente várias vezes que estávamos na estação “fresca”.

Seguimos a estrada para Neves que mesmo de dia nunca seria uma estrada fácil. É daquelas quebra-costas, o que criou logo o ambiente certo para o resto das férias. Parecia-nos tardíssimo por ser tão escuro mas eram apenas 6h30 da tarde. O nosso motorista, o Sr. Agnaldo, ia gentilmente mostrando tudo o que podia apesar da escuridão, e da quase surdez do Peixinho Vermelho, meu marido. Contou-nos que estamos na época do peixe voador, explicou-nos como se pesca e ia-nos mostrando os vários pescadores artesanais que se preparavam para sair naquela noite.

Chegámos ao Mucumbli já noite cerrada, mas mesmo assim conseguimos ficar impressionados com a beleza da natureza. O primeiro jantar foi uma experiência sensorial maravilhosa, e a frase: este é o melhor X que eu já comi iria ser repetida muitas vezes. Nessa noite referia-me ao peixe azeite, de que até aí desconhecia a existência.

Tudo mexe a toda a hora naquele sítio, e a selva de bananeiras que ladeia o caminho de volta para o bungalow parece toda ela um organismo vivo que se mexe e respira. Quando finalmente caímos na cama exaustos, estávamos também ansiosos na expectativa do que os próximos dias iriam trazer. E um bocadinho receosos com a fauna aracnídea que poderiamos encontrar no quarto (na realidade foi nenhuma, os quartos provaram estar muito protegidos contra a selva lá fora).

Foi o início da aventura!

Mucumbli - Piri-Piri 2
Mucumbli – Quarto Piri-Piri