Livros que Recomendo – Matadouro 5

matadouro 5

Matadouro 5 é considerada a obra mais importante deste escritor que muito gosto, Kurt Vonnegut. Escrito em 1969 é um dos muitos relatos da Segunda Guerra Mundial. No entanto este é bastante diferente da maioria dos que normalmente se lêm, e sobretudo muito diferente da espécie de franchise que anda aí de “insira uma profissão de Auchswitz”.

É diferente primeiro porque Billy Pilgrim, o personagem principal desta história, é levemente baseado no próprio escritor, que também participou na WWII, foi feito prisioneiro de guerra em Dresden, onde assistiu ao seu brutal bombardeamento. Isso teve um profundo impacto na sua obra, para além deste livro, e fez dele um humanista absolutamente anti-guerra.

Depois porque Billy Pilgrim não está ligado ao passar do tempo como todos nós estamos. Na realidade ele desenvolveu a capacidade de se mover para qualquer ponto do tempo no qual a sua vida decorre, o que faz com que a visão que ele tem da vida, de planos e de futuro seja radicalmente diferente da nossa.

Parece estranho juntar Segunda Guerra Mundial e ficção científica no mesmo saco, e bem sei que na altura em que o li isso me custou um bocadinho, mas na realidade a mensagem pacifista do livro ficou comigo por muito tempo. Como em qualquer bom livro de sci-fi aqui questiona-se o conceito de tempo, livre arbítrio, religião, causa e efeito, grandes questões que fazem parte de ser humano. E nada melhor para nos dar uma perspectiva sobre o que é ser humano, do que uma raça de extraterrestres, com uma visão temporal radicalmente diferente, e em cuja literatura este livro se inspira. Para os habitantes de Tralfamadore o tempo nunca termina, cada instante existe perpetuamente, podemos caminhar no tempo para trás ou para a frente. O que nos leva a uma das quotes mais interessantes do livro: When a person dies, he only appears to die. He is still very much alive in the past…all moments, past, present and future, always have existed, always will exist… 

Vale muito a pena ler este manifesto anti-guerra, um livro muito bem escrito, desafiante, que nos obriga a estar atentos do principio ao fim para não perder o norte. Em que acontecimentos difíceis são mostrados mas não nos derrotam. Aconselho a todos os fãs de livros para pensar e reflectir.

É também neste livro que se encontra aquilo que espero que um dia seja o meu epitáfio.

Boas Leituras!

epitaph

Livros que Quero Ler – Trópico de Cancer

tropico de cancer

Até hoje só li um livro de Henry Miller, mas foi um livro muito bom. O seu estilo é inconfundível, semi autobiográfico, semi ficcionado, mas sempre carregado de erotismo mais ou menos explícito. Acabamos a pensar que algumas histórias são demasiado rocambolescas para terem sido inventadas, e que uma coisa assim teria de ser experienciada na realidade.

Este Trópico de Cancer foi publicado em 1934 mas esteve banido por obscenidade nos Estados Unidos até ao início dos anos 60 do século passado, bem como boa parte da sua obra. Só isso já dá vontade de ler, que esta coisa de decidirem por nós o que não podemos ler faz-me muita confusão. Mas Miller foi também um precursor da beat generation americana, especialmente de Jack Kerouac, jovens que traziam os seus livros para os Estados Unidos às escondidas e os partilhavam entre todos. Faz lembrar os tempos da outra senhora aqui mesmo em Portugal.

Trópico de Cancer é um relato das aventuras do autor na Paris dos anos 30, quando deambulava por um submundo de prostitutas e artistas tão sem dinheiro como ele. Um retrato despojado de floreados e bastante livre. Tenho este livro cá em casa há muitos anos, pronto a ser lido, mas tem havido sempre um outro que lhe toma o seu lugar. Mas é reconfortante saber que está ali na estante, pronto a ser começado.

Até lá, Boas Leituras!

Os Autores que Não Consigo Ler

livros

Há alguns autores portugueses que não consigo ler, não por demérito das obras mas por culpa minha. E não é como aqueles namorados manhosos que terminam tudo a dizer “não és tu, sou eu” mas vê-se na cara deles que nós é que somos chatas e temos rabo grande.
Não, aqui é a sério. Isto é do melhor que a literatura portuguesa tem para oferecer, mas por uma razão ou por outra, eu não consigo lá chegar. Ora vamos lá à lista, por ordem cronológica.

Camões: apresentaram-me o senhor ainda no ciclo (sei que sou mesmo velha quando uso está terminologia antiquada ao mesmo tempo que escrevo na grafia antiga. Uma Velha do Restelo) no entanto não fiquei fã. Consegui tirar 5 a Português por causa dum trabalho que fiz acerca do dito Velho do Restelo, e também estudámos muita poesia, mas todo aquele lirismo não é a minha praia. Impressionante, mas não fico cativada.

Camilo Castelo Branco: gostei imenso da série dos Mistérios de Lisboa que vi há uns anos numa maratona no cinema, mas assim que tentei ler o livro foi um caso perdido. Muito romantico e linguagem rebuscada fazem com que me perca logo nas primeiras páginas. Acabei por o deixar a marinar no meu Kindle até hoje.

Almeida Garrett: o meu professor de português do secundário dizia que ninguém passava de ano com ele se não lesse as “Viagens na Minha Terra” e “Os Maias“. Gostei muito do segundo e ainda hoje sou fã do Eça, mas as viagens foram extremamente aborrecidas, mesmo para quem gosta tanto de viajar como eu. Não li o livro, nem os resumos da Europa-América, mas honra seja feita ao meu professor cujas aulas eram tão boas que me valeram um 16 mesmo assim.

José Saramago: no 9° ano comprei o Memorial do Convento e perguntei à minha professora de português a opinião dela. Ela, muito querida, disse que se calhar seria complicado, mas podia experimentar. Na realidade devia ter dito: tem juízo miúda, tu lá tens idade para isso? O homem não usa pontuação e tu vais-te ver aflita e depois nunca mais queres ler nada escrito por ele. Pois, foi o que aconteceu. Tentei muitas vezes, uma amiga até leu para mim em voz alta, e eu percebo que é espectacular, mas não consigo. Estou vacinada, mas em mau.

António Lobo Antunes: este é mais um daqueles gigantes mas que eu não consigo ler. Tentei ler “Memória de Elefante”, mas estava a ficar tão angustiada que tive de parar. Quero muito ler um livro deste autor, e até tenho alguns exemplares cá em casa para um dia que me sinta preparada, ou com capacidade para passar um livro inteiro com um aperto no peito, mas ainda não consegui.

Aceitam-se argumentos convincentes para começar já qualquer um deles.

Até lá, Boas Leituras!

Máquina

luis quintais

Nem sombra de fantasma dentro da máquina.
Ser apenas máquina.
Uma máquina de ler.
Uma máquina de dar de comer aos filhos.
Uma máquina de escrever sem qwerty ou azerty,
irreconhecível, mas uma máquina em todo o caso.
Uma máquina de foder.
Uma máquina de beber.
Uma máquina ser erro maquínico.
Uma máquina sem improvável intenção,
melancolia, elegia, meta-representação mortal
e desabrida.
Uma máquina que se finasse depois, sem dor,
de pura obsolescência.
Uma máquina sem dor nem tédio.
Uma máquina sem estados de alma.
Uma máquina sem alma.

Luís Quintais, in “A Noite Imóvel”

Palavra do Dia – Vida

vida

Se AMOR é uma palavra muito comum em títulos de livros, VIDA não lhe fica atrás com certeza. De certeza que todos nos conseguimos lembrar de vários livros que têm esta palavra no título. No entanto ela é mais enigmática, e não nos indica logo sobre o que será a história. Deixo-vos abaixo com 10 exemplos de títulos bem conhecidos. Não incluí nenhum livro que fosse uma biografia, ou auto-ajuda, apenas por critério editorial.

Que mais livros se conseguem lembrar com a palavra VIDA? E qual foi um pecado eu ter-me esquecido?

Walden ou a Vida nos Bosques – Henry David Thoureaux

Walden

Eliete, a Vida Normal – Dulce Maria Cardoso

eliete

A Vida em Surdina – David Lodge

a vida em surdina

A Vida Não É Aqui – Milan Kundera

a vida nao e aqui

A Vida e Opiniões de Tristram Shandy – Laurence Sterne

tristram shandy

Retalhos da Vida de Um Médico – Fernando Namora

retalhos da vida de um medico

Um Sopro de Vida – Clarice Lispector

um sopro de vida

Pequenas Misérias da Vida Conjugal – Honoré de Balzac

as pequenas miserias da vida conjugal

A Vida de Pi – Yann Martel

a-vida-de-pi

A Breve e Assombrosa Vida de Oscar Wao – Junot Díaz

oscar Wao

Advertência

a m pires cabral

Nas laudas que aí ficam muito me esforcei,
senhores, por dar caça aos adjectivos
que tanto vos molestam.

Mas nem tudo correu bem.
Houve uns quantos que se barricaram
e ergueram cartazes e gritaram com ira
uma palavra de ordem:

– O sal da poesia somos nós!

Achei graça –
dizerem que são eles o sal da poesia,
quando nem sequer o colorau.

Mas, enfim, enterneceu-me
tanto arreganho, tanto apego
às tetas da musa –
e não tive coragem para os expulsar.

Espero que não pesem, senhores, demasiado
na melindrosa balança de vossas senhorias.

A. M. Pires Cabral in Frentes de fogo

Livros que Recomendo – As Dez Figuras Negras

10 figuras negras

Agatha Christie é um valor seguro em termos de livros, e providencia-nos sempre com algumas horas de entretenimento, e este livro que recomendo hoje é capaz de ser um dos que gosto mais. Começo por dizer que, pasme-se, não é do Poirot. Na realidade nenhum dos personagens mais conhecidos de Christie aparece neste livro, mas isso não o diminui em nada.

10 pessoas que não se conhecem entre sim são convidadas para um fim-de-semana numa pequena ilha privada na costa de Devon. O seu anfitrião é um milionário excêntrico, mas que na realidade não comparece ao seu próprio evento. E é neste contexto que as mortes começam a acontecer, de acordo com uma rima infantil que se encontra espalhada por toda a propriedade. A rima fala de 10 little niggers, e cada personagem vai morrer do modo lá descrito. Ao mesmo tempo vão desaparecendo uma a uma as pequenas figuras negras que se encontram na casa.

Foi esta rima infantil que deu o nome original ao livro, 10 Little Niggers. O nome foi entretanto adaptado para 10 Little Indians, e mais tarde para And Then There Were None, que corresponde ao verso final do poema. Em português temos uma versão intermédia e que foge um bocadinho ao conceito original, que é este de As Dez Figuras Negras.

O clima de tensão que vai crescendo ao longo do livro é muito bom, e todo o ambiente descrito até à conclusão final é muito envolvente e este é daqueles livros que não conseguimos largar até saber como acaba. Um belo exemplar de literatura de mistério, que a própria autora considerava uma das suas melhores obras.

Recomendo para todos os amantes de mistério e livros bem escritos, que nos fazem passar um bom bocado.

Boas Leituras!

Ten little boys went out to dine;
One choked his little self and then there were nine.

Nine little boys sat up very late;
One overslept himself and then there were eight.

Eight little boys traveling in Devon;
One said he’d stay there then there were seven.

Seven little boys chopping up sticks;
One chopped himself in half and then there were six.

Six little boys playing with a hive;
A bumblebee stung one and then there were five.

Five little boys going in for law;
One got in Chancery and then there were four.

Four little boys going out to sea;
A red herring swallowed one and then there were three.

Three little boys walking in the zoo;
A big bear hugged one and then there were two.

Two little boys sitting in the sun;
One got frizzled up and then there was one.

One little boy left all alone;
He went out and hanged himself and then there were none.

Livros que Quero Ler – Dune

Dune

Dune foi um dos primeiros livros a habitar o meu Kindle, nos idos de 2012. No entanto parece que nunca arranjo vontade de atacar as suas cerca de 600 páginas, e não faço ideia porquê. Não é certamente pelo tamanho, porque li entretanto livros bem maiores, como o Game of Thrones, nem é pela temática, porque li imensa ficção cientifica, como a série Hyperion do Dan Simmons. 

Talvez seja por não conseguir deixar de ver o filme na minha cabeça e achar que vou saber a história toda, no entanto o mesmo argumento não me tem impedido de ler todos os Poirots. 

Este ano vai sair um remake do filme de 1984 David Lynch, que estou moderamente curiosa para ver, e o outro leitor aqui de casa finalmente pegou no livro também. Pegou e nunca mais parou, leu os seis livros da série de seguida e agora não pára de me dizer que eu tenho que ler também. 

Dune é sobejamente conhecido, mas para os mais distraídos é a história de Paul Atreides, um rapaz duma família nobre que tem de encetar uma viagem para o planeta mais perigoso em busca da especiaria que é necessária para viajar, e para aumentar quer o tempo de vida que a consciência humana. É aqui que Paul Atreides vai encontrar o seu destino e transformar-se numa lenda. Como em todos os (bons) livros de ficção cientifica há muito mais para além do que se vê à superfície. Aqui reflecte-se sobre ecologia, espiritualidade, poder e jogos políticos e este livro de 1965 está na base de muitos que se lhe seguiram. 

Ainda não me sinto com cabeça suficiente para pegar numa série tão complexa, mas sinto que num futuro muito próximo vou ter que lhe dar uma oportunidade. 

Até lá, boas leituras!

I will not fear.
Fear is the mind-killer.
I will face my fear.
I will let it pass through me.
When the fear has gone,
there shall be nothing.
Only I will remain.

Encantar-te-ás com os poetas até conheceres um

peixoto

Encantar-te-ás com os poetas até conheceres um.
Com calças de poeta, camisa de poeta e casaco
de poeta, os poetas dirigem-se ao supermercado.

As pessoas que estão sozinhas telefonam muitas vezes,
por isso, os poetas telefonam muitas vezes. Querem
falar de artigos de jornal, de fotografias ou de postais.

Nunca dês demasiado a um poeta, arrepender-te-ás.
São sempre os últimos a encontrar estacionamento
para o carro, mas quando chove não se molham,

passam entre as gotas de chuva. Não por serem
mágicos, ou serem magros, mas por serem parvos.
A falta de sentido prático dos poetas não tem graça.

José Luís Peixoto, in Gaveta de Papéis 

Livros que Recomendo – Uma Abelha na Chuva

abelha na chuva

Há alguns anos vi um programa na RTP2 chamado Grandes Livros sobre Uma Abelha na Chuva, e fiquei cheia de vontade de ler o livro. Se bem o pensei, melhor o fiz, e peguei logo nele.

Este é mais um daqueles livros que retratam a época em que foram escritos, neste caso 1953, estávamos ainda muito longe de vislumbrar a democracia, e o Portugal rural era ainda muito pouco desenvolvido, e vivia atolado em pobreza e em ideias antiquadas. Este é o pano de fundo deste livro, que nos fala de natureza humana, de vários tipos de amor (e desamores), de casais mantidos por conveniência e pessoas que se juntam por amor, e como uns e outros enfrentam dificuldades e maledicências.

Carlos de Oliveira escreve aqui uma bela obra do neorealismo português, que pretende mostrar a realidade na esperança de a conseguir mudar. No final deste livro mostra-se a esperança que a morte duma abelha pode fazer a colmeia revoltar-se, no entanto basta uma palavra para a ordem natural das coisas se restabelecer. Na realidade haveria de correr ainda bastante tempo até que a nossa própria colmeia se libertasse do seu opressor.  Aconselho muito este livro a todos aqueles que gostam de literatura portuguesa, bons livros que nos enriquecem, e histórias de amor e desamor. Se optarem pelo caminho mais rápido, vejam o programa aqui.

Boas Leituras!