Acabei de Ler – Ensaio Sobre a Cegueira

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Tive uma experiência com Saramago e o Memorial do Convento quando era muito nova (14 anos), claramente demasiado nova para apreciar a escrita deste autor. Mais tarde, na faculdade, uma amiga leu-me umas passagens em voz alta, para me mostrar que o livro merecia uma segunda oportunidade. Percebi que sim, mas nem isso foi suficiente para pegar nele, ou em qualquer outro livro de Saramago, apesar de outras tentativas de outras amigas. E assim foi até agora.

Vi o filme Blindness há uns anos e gostei mesmo muito. Percebi o potencial que haveria nesta história. E agora, quando vi o vídeo duma estudante de literatura canadiana a ler este livro e a ter uma experiência tão forte e positiva, pensei, caramba se não está na altura de pegar nisto. É um cliché, não é? Mas foi mesmo assim, e devo dizer que devorei o livro.
Já toda a gente conhece a premissa. Um por um, os habitantes duma cidade que pode ser a nossa, num país que provavelmente é o nosso, vão cegando. Todos menos uma mulher. A primeira vaga é isolada e internada num antigo asilo, e é este grupo que vamos seguindo, e é através deles que vamos assistindo à degradação progressiva de tudo aquilo que conhecemos e tomamos como garantido.
Muita coisa está contida nesta história que parece simples, mas não é. Uma fábula dos tempos modernos, que esteve perigosamente perto de se concretizar em tempos de covid, onde tantos direitos fundamentais foram atropelados. O livro é muito bom. E a escrita é deliciosa, imbuída de um certo sarcasmo, de uma ironia fina que tornaram este livro, tão cru e brutal, um verdadeiro prazer de ler. Recomendo muito, sabendo que não vão ler coisas bonitas sobre flores e passarinhos, mas descrições cruas da capacidade humana de surpreender. Com certeza que virei a ler mais Saramago no futuro.
Rumo ao próximo. Até lá, Boas Leituras!

I had an experience with Saramago when I was 14 years old, clearly way to young to appreciate his writing. Later, at the university, a friend read some passages from Memorial do Convento out loud to me, and it was enough for me to understand the book deserved a second chance. I understood, but it was still not enough for me to pick up any book from Saramago.

However, I saw Blindness (the movie) a few years ago and really enjoyed it. Made me realise this story had a lot of potential. Now, I watched a YouTube video from a Canadian girl that studies literature (this one), and she was reading this book and sharing her very positive experience with it, and I realised it was finally time to give it a chance. Seems like a cliché (the very Portuguese need for external validation), but it was how it happened, and I ended up devouring the book.

Everyone knows all about it already. One by one, all the inhabitants of a city very similar to our own, on a country very similar to our own, start to go blind. All but a woman. The first batch of blind people is sent to an abandoned asylum, so they can be isolated from the general population, and the woman pretends to be blind so she can go with her husband. Through her eyes, and their experience, we get to see first hand the slow degradation of all we know and take for granted, as humanity, for example.

A lot is packed is this deceptively simple story. It is a modern day fable that was close to become reality during covid years, when so many human rights were trampled in the name of public health. It is a very good book, the writing is deliciously filled with a very fine irony and much Portuguese sarcasm that I have no idea if it translates well. It made a book about such dire events a true pleasure to read.

I highly recommend it but be aware it is not about flowers and little birds, but raw descriptions of the human ability to surprise us in difficult times. I am sure I will read more of his books in the future, not sure if Memorial do Convento will ever be one of them.

On to the next. Until then, Happy Reading!

Não Me Peçam Razões

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Não me peçam razões, que não as tenho,
Ou darei quantas queiram: bem sabemos
Que razões são palavras, todas nascem
Da mansa hipocrisia que aprendemos.

Não me peçam razões por que se entenda
A força de maré que me enche o peito,
Este estar mal no mundo e nesta lei:
Não fiz a lei e o mundo não aceito.

Não me peçam razões, ou que as desculpe,
Deste modo de amar e destruir:
Quando a noite é de mais é que amanhece
A cor de primavera que há-de vir.

José Saramago, in “Os Poemas Possíveis”

Os Autores que Não Consigo Ler

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Há alguns autores portugueses que não consigo ler, não por demérito das obras mas por culpa minha. E não é como aqueles namorados manhosos que terminam tudo a dizer “não és tu, sou eu” mas vê-se na cara deles que nós é que somos chatas e temos rabo grande.
Não, aqui é a sério. Isto é do melhor que a literatura portuguesa tem para oferecer, mas por uma razão ou por outra, eu não consigo lá chegar. Ora vamos lá à lista, por ordem cronológica.

Camões: apresentaram-me o senhor ainda no ciclo (sei que sou mesmo velha quando uso está terminologia antiquada ao mesmo tempo que escrevo na grafia antiga. Uma Velha do Restelo) no entanto não fiquei fã. Consegui tirar 5 a Português por causa dum trabalho que fiz acerca do dito Velho do Restelo, e também estudámos muita poesia, mas todo aquele lirismo não é a minha praia. Impressionante, mas não fico cativada.

Camilo Castelo Branco: gostei imenso da série dos Mistérios de Lisboa que vi há uns anos numa maratona no cinema, mas assim que tentei ler o livro foi um caso perdido. Muito romantico e linguagem rebuscada fazem com que me perca logo nas primeiras páginas. Acabei por o deixar a marinar no meu Kindle até hoje.

Almeida Garrett: o meu professor de português do secundário dizia que ninguém passava de ano com ele se não lesse as “Viagens na Minha Terra” e “Os Maias“. Gostei muito do segundo e ainda hoje sou fã do Eça, mas as viagens foram extremamente aborrecidas, mesmo para quem gosta tanto de viajar como eu. Não li o livro, nem os resumos da Europa-América, mas honra seja feita ao meu professor cujas aulas eram tão boas que me valeram um 16 mesmo assim.

José Saramago: no 9° ano comprei o Memorial do Convento e perguntei à minha professora de português a opinião dela. Ela, muito querida, disse que se calhar seria complicado, mas podia experimentar. Na realidade devia ter dito: tem juízo miúda, tu lá tens idade para isso? O homem não usa pontuação e tu vais-te ver aflita e depois nunca mais queres ler nada escrito por ele. Pois, foi o que aconteceu. Tentei muitas vezes, uma amiga até leu para mim em voz alta, e eu percebo que é espectacular, mas não consigo. Estou vacinada, mas em mau.

António Lobo Antunes: este é mais um daqueles gigantes mas que eu não consigo ler. Tentei ler “Memória de Elefante”, mas estava a ficar tão angustiada que tive de parar. Quero muito ler um livro deste autor, e até tenho alguns exemplares cá em casa para um dia que me sinta preparada, ou com capacidade para passar um livro inteiro com um aperto no peito, mas ainda não consegui.

Aceitam-se argumentos convincentes para começar já qualquer um deles.

Até lá, Boas Leituras!

Livros que Recomendo – Ensaio Sobre a Cegueira

saramago

O livro que venho recomendar hoje é bastante diferente do que já fiz até agora. Mais concretamente porque vos venho recomendar um livro que eu própria não li. Quando estava no 9º ano, era sócia do Círculo de Leitores e comprei o Memorial do Convento, e confesso que isso me vacinou de vez contra os livros de Saramago. Nunca consegui ultrapassar o facto daquilo não ter pontuação, e a história era qualquer coisa de surreal e surrealmente aborrecida para a minha mente de 14 anos.

Claro que já uma vida se passou, e acho que deve estar na altura de fazer as pazes com o nosso único Nobel. Ou pelo menos tentar reatar a relação. Resolvi escolher este livro porque me parece kamikaze retomar o Memorial do Convento. Por outro lado gostei bastante do filme de Fernando Meirelles retirado deste livro e parece-me uma aposta mais segura.

Já todos conhecemos a história, uma epidemia de cegueira atinge a maioria da população duma cidade e as consequências na estrutura social que daí advêm. Uma premissa simples, mas poderosa.

Recomendo a todos os amantes de Saramago, ou aqueles que, como eu, estão a tentar começar uma relação com ele. Se tiverem alguma sugestão a fazer, sejam livres! Se quiserem ler uma excelente crítica, vão aqui.

Boas Leituras!