A Máquina Fotográfica

ary dos santos

É na câmara escura dos teus olhos
que se revela a água
água imagem
água nítida e fixa
água paisagem
boca nariz cabelos e cintura
terra sem nome
rosto sem figura
água móvel nos rios
parada nos retratos
água escorrida e pura
água viagem trânsito hiato.

Chego de longe. Venho em férias. Estou cansado.
Já suei o suor de oito séculos de mar
o tempo de onze meses de ordenado;
por isso, meu amor, viajo a nado
não por ser português mal empregado
mas por sofrer dos pés
e estar desidratado.

Chego. Mudo de fato. Calço a idade
que melhor quadra à minha solidão
e saio a procurar-te na cidade
contratada violenta negativa
tu única sombra murmurada
única rua mal iluminada
única imagem desfocada e viva.

Moras aonde eu sei. É na distância
onde chego de táxi.
Sou turista
com trinta e seis hipóteses no rolo;
venho ao teu miradoiro ver a pista
trago a minha tristeza a tiracolo.

Enquadro-te regulo-te disparo-te
revelo-te retoco-te repito-te
compro um frasco de tédio e um aparo
nas tuas costas ponho uma estampilha
e escrevo aos meus amigos que estão longe
charmant pays
the sun is shinning
love.

Emendo-te rasuro-te preencho-te
assino-te destino-te comando-te
és o lugar concreto onde procuro
a noite de passagem o abrigo seguro
a hora de acordar que se diz ao porteiro
o tempo que não segue o tempo em que não duro
senão um dia inteiro.

Invento-te desbravo-te desvendo-te
surges letra por letra, película sonora,
do sentido à vogal do tema à consoante
sem presença no espaço sem diferença na hora.

És a rota da Índia o sarcasmo do vento
a cãibra do gajeiro o erro do sextante
o acaso a maré o mapa a descoberta
num novo continente itinerante.
José Carlos Ary dos Santos

Livros que Recomendo – O Assassinato de Roger Ackroyd

poirot 4

Keep scrolling if you prefer to read in English.

É sobejamente conhecido o meu gosto pelos livros de Agatha Christie, no entanto ainda só aqui recomendei dois. Uma história individual, e o primeiro da série Poirot, que foi também o primeiro livro publicado por esta autora.

Mas este que vos apresento hoje é considerado o melhor dela, e o único desta autora a figurar na lista de 1001 Livros para Ler Antes de Morrer. Talvez injustamente, porque ela tem vários livros bons, mas é o problema destas listas, dependem sempre da opinião de quem as faz.

Terceiro livro a figurar o nosso detective belga e editado pela primeira vez em 1926. Poirot tinha decidido aposentar-se e e dedicar-se à agricultura, mas um assassinato ocorrido na vila para onde se retirou vai obrigá-lo a voltar atrás na sua decisão e usar os seus conhecimentos mais uma vez. O livro é um clássico da autora, um assassinato que ocorre num ambiente semi fechado, onde apenas uma meia dúzia de pessoas parecem ser suspeitas, mas (quase) todas elas têm um alibi convincente. O narrador é uma dessas pessoas, o doutor Sheppard, vizinho de Poirot e que o assiste durante a investigação. O volte-face final é surpreendente, e o desfecho engenhoso, fazendo jus à fama que este livro alcançou.

Numa altura em que estamos rodeados duma nova vaga de livros policiais, que a sua popularidade ganhou novo fôlego e novos adeptos em toda a parte, nunca é demais relembrar os bons clássicos que pavimentaram o caminho.

Boas Leituras!

I am a big Agatha Christie’s fan and yet I have only recommended 2 of her books on my blog. And Then There Were None, a superb standalone story and the first Poirot book, The Misterious Affair at Styles, that was also the first one published by the author. 

However, the one I present here today, The Murder of Roger Ackroyd, is considered by many as her masterpiece, and is the only one featured in the 1001 Books to Read Before You Die list. Which might seem a bit unfair, as she has many wonderful books, however, as it always happens in these things, it’s at the editors discretion. 

This is the third novel featuring Poirot, our belgian detective, that has decided to retire and go live in the country to grow vegetable marrows. However, there is a murder in the village he chose to live, and his next door neighbour, Dr. Sheppard, was present when it happened, so Poirot is dragged in to investigate the case. Dr. Sheppard is actually the person telling us the story. It is classical Christie, a murder perpretaded in a close environment, with a handful of suspects, all with more or less believable alibis. The final plot twist is very interesting and unexpected, making this a really good whodunnit mistery book. 

In a time where the mistery books seem to have gained new audiences and new fame, it is always good to look at the old classics that paved the way for all this success. 

Happy Readings!

Livro que Quero Ler – Balada para Sophie

balada para sophie

Já aqui falei de vários livros de BD desta dupla Filipe Melo/Juan Cavia, que nos habituou a livros com histórias fortes e bem conseguidas e ilustrações lindíssimas. Andava a faltar-me o mais recente, esta Balada para Sophie, que a bem da verdade era um bocadinho caro e nunca mais se apresentava uma boa ocasião para comprar.

Mas li a review da Cristina Alves, do blog Rascunhos e achei que tinha mesmo que ser. Conferenciámos cá em casa e lá veio o livro cá parar. Agora ainda está na estante a descontaminar (raça do bicho), mas assim que houver um tempinho e disponibilidade mental para desfrutar desta beleza vamos pôr mãos à obra. Estou em pulgas.

Até lá, boas leituras!

Acabei de Ler – O Símbolo Perdido

simbolo perdido

Keep scrolling if you prefer to read in English

Depois de ter aqui vindo recomendar este livro, resolvi seguir a minha própria recomendação e lê-lo. Comecei sem grandes expectativas. Li os anteriores (Anjos e Demónios e O Código Da Vinci) e por isso esperava uma história bem desenhada, intensa, cheia de mistérios e enigmas para decifrar, e um personagem principal interessante. E nesse sentido este livro não desiludiu, foi exactamente assim.

Desta vez estamos em Washington e Robert Langdon vai andar pela cidade tentando fugir da CIA ao mesmo tempo que tenta resgatar um amigo de longa data que foi capturado pelo vilão da história. É acompanhado pela irmã do amigo, uma investigadora em ciência noética. Desta vez a ordem mística/secreta que é o alvo é a Maçonaria, detentora dum segredo que, se revelado, mudará todo o mundo e a consciência do homem. O vilão é mesmo muito mau (e estranho), a cientista é assim-assim e a Maçonaria também não é das organizações mais interessantes, pelo menos no livro.

Menos glamouroso que os seus antecessores, mas, tal como eles, escrito como se fosse um guião para o grande ecrã, este livro foi consideravelmente mais fraquinho que os anteriores da série. Robert Langdon nem parece o brilhante investigador capaz de decifrar mistérios incríveis com o seu vasto conhecimento, mas mas um ingénuo que se deixa apanhar várias vezes pela mesma técnica de embuste. Washington também é o parente pobre, menos interessante que Paris ou Roma, e o desenlace final deixa muito a desejar. Ao longo de todo o livro vamos criando expectativa em relação ao grande segredo que vai mudar o mundo, e no final a montanha pariu um rato.

Cumpriu o seu objectivo, que foi o de me manter entretida umas horas numa altura de extremo cansaço em que não há cabeça para leituras muito elaboradas, mas não foi um livro que eu me apeteça repetir ou recomendar.

E agora, vamos ao próximo. Até lá, Boas Leituras!

Goodreads Review

My expectations were not high when I started this book. I have read Angels & Demons, and The Da Vinci Code, so I knew what to expect. A well crafted, fast paced story, full of plot twists and enigmas for the main character to solve. Robert Langdon is an interesting enough hero, and in those aspects this book was not a disappointment. 

The setting is Washington and Robert Langdon is going to give as a tour of the city while he runs from the CIA and tries to recover is great friend that has been kidnapped by an evil vilain. Evil and weird. A lot of both. His friend’s sister, a scientist that researches Noetic Sciences will be his side kick for the journey, and the Freemasons are the mistycal/religious order that will be targeted, as they possess a secret that will change mankind if it is exposed. 

Compared to the predecessors, this book lacked glamour. Even tough it was written like a movie script, as per usual with Dan Brown, Robert Langdon was not as witty as before, and seemed capable of falling in silly traps over and over again. Washington is also not Rome or Paris, and the final revelation was very disappointing. All the build up that we experienced throughout the book came together in the end in a very poor revelation. 

All in all it was a good book to keep me entertained for a few hours while my brain doesn’t accept more elaborate things, but I will not read it again, nor do I recommend it.

On to the next, until then Happy Readings.

De Ti Só Quero o Cheiro dos Lilases

rosa lobato faria

De ti só quero o cheiro dos lilases
e a sedução das coisas que não dizes
De ti só quero os gestos que não fazes
e a tua voz de sombras e matizes

De ti só quero o riso que não ouço
quando não digo os versos que compus
De ti só quero a veia do pescoço
vampira que já sou da tua luz

De ti só quero as rosas amarelas
que há nos teus olhos cor das ventanias
De ti só quero um sopro nas janelas
da casa abandonada dos meus dias

De ti só quero o eco do teu nome
e um gosto que não sei de mar e mel
De ti só quero o pão da minha fome
mendiga que já sou da tua pele.

Rosa Lobato de Faria, A Noite Inteira já não chega

Livros que Quero Ler – Bad Behavior

bad behavior

Há quem diga que as conversas são como as cerejas, vêm umas atrás das outras, e o mesmo se passa com os livros. Através do meu Goodreads, onde registo os livros que leio porque a minha mente científica gosta de fazer análises estatísticas, consigo ver livros que estão relacionados. Quer por recomendação directa, quer mencionados por pessoas que gostaram dos mesmos livros que eu. Já assim conheci muitos autores que gostei bastante, e tenho sempre mais livros a entrar na minha lista de livros a ler.

O mais recente foi este Bad Behavior, de Mary Gaitskill. Gostaria de vos poder falar imenso sobre a autora, mas sei exactamente zero sobre ela. Poderia ir pesquisar no Google para parecer muito erudita, mas na realidade só costumo fazer isso se o livro me começar a interessar. Portanto sei que a senhora é americana e que este foi o seu primeiro livro publicado, em 1989. Sei também que é daqueles livros que parecem polarizar opiniões, que são normalmente 1 ou 5 estrelas, e isso quer dizer que tem potencial para ser muito bom (ou muito mau), mas só por si parece-me suficientemente interessante para experimentar.

É uma colecção de histórias sobre amor, sexo e obsessão, algumas contadas dum ponto de vista masculino, outras com uma visão feminina, mas todas… diferentes. Uma delas deu origem a um filme em 2002 ao qual também se pode chamar… diferente, mas que eu por acaso gostei.

Depois vos direi o que achei, até lá, Boas Leituras!

Não Me Peçam Razões

saramago

Não me peçam razões, que não as tenho,
Ou darei quantas queiram: bem sabemos
Que razões são palavras, todas nascem
Da mansa hipocrisia que aprendemos.

Não me peçam razões por que se entenda
A força de maré que me enche o peito,
Este estar mal no mundo e nesta lei:
Não fiz a lei e o mundo não aceito.

Não me peçam razões, ou que as desculpe,
Deste modo de amar e destruir:
Quando a noite é de mais é que amanhece
A cor de primavera que há-de vir.

José Saramago, in “Os Poemas Possíveis”