A Canção de Taduno

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Este ano tenho aproveitado para explorar um pouco mais a literatura africana, já que a par da asiática é onde eu tenho maiores lacunas.

O Netgalley, de que eu já falei num post anterior, tem sido uma ajuda preciosa nesse capítulo pois tem-me dado a conhecer imensos livros e autores aos quais eu não chegaria de outra forma. Só a título de exemplo, o argelino Yasmina Khadra e a moçambicana Paulina Chiziane.

Esta foi mais uma vez uma aposta ganha, ao ter tido o prazer de ler o livro de estreia deste autor nigeriano. Uma espécie de história alegórica que nos remete a um passado recente em que a Nigéria esteve debaixo do jugo duma junta militar, mas que faz eco de qualquer país que tenha vivido a realidade duma ditadura.

E nessa realidade fala-nos do poder da música como catalizador de mudança, como agregador dum povo, e também do dilema de ser fiel aos nossos princípios ou ser fiel àqueles que nos são próximos.

Não é um livro perfeito, e em certos pontos a narrativa é um pouco monótona e confusa, mas de qualquer forma é um livro que aconselho pela originalidade com que aborda um tema delicado. Por enquanto apenas disponível em inglês.

A Vegetariana ou o mundo dos sonhos

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Falei há uns tempos no vencedor do Man Booker International deste ano, The Vegetarian, e finalmente tive a oportunidade de o terminar. Mesmo agora que a versão traduzida para português está quase a chegar.

Foi um livro difícil de entrar a principio, e durante as primeiras páginas estive um pouco indecisa se gostava ou não do que lia. O primeiro narrador não é um personagem por quem se sinta simpatia, e as diferenças culturais são notórias e nem sempre fáceis de gerir, principalmente para nós mulheres. No entanto a história começa a desenrolar-se e a ser cada vez mais envolvente e leva-nos de arrasto pelo estranho mundo dos sonhos.

Na realidade o vegetarianismo não é o ponto central do livro e serve apenas como ponto de partida, ou se quisermos, como ponto de referência. Neste caso é um símbolo de quebra das normas e convenções, de asserção de individualidade pessoal e de como isso pode ser incómodo para os que nos rodeiam.

Até que ponto é fácil para nós seguirmos os nossos sonhos e as nossas convicções, ou estamos na realidade presos a ideias pré concebidas, e conceitos de normalidade e sobretudo a uma ideia muito generalizada de como a vida deve ser vivida e a que padrões devemos aderir. Até que ponto seguir indiscriminadamente um sonho sem apoios acaba por nos poder levar à loucura.

Um livro que é por vezes lindíssimo, com imagens de pura beleza, principalmente no segundo capítulo, noutras vezes frio e brutal, lê-se num sopro e deixa-nos a pensar.

Recomendo a todos que gostam de histórias pouco convencionais, do colorido asiático e de reflectir.

Goodreads Review

“Perhaps this is all a kind of dream” She bows her head. But then, as though suddenly struck by something, she brings her mouth right up to Yeong-hye’s ear and carries on speaking, forming the words carefully, one by one. “I have dreams too, you know. Dreams… and I could let myself dissolve into them, let them take me over… but surely the dream isn’t all there is? We have to wake up at some point, don’t we? Because… because then…”

O que aí vem de novidades

A vegetariana

O Observador na sua newsletter diária enviou-me hoje uma lista muito pormenorizada das novidades que posso esperar das nossas editoras para esta reentré. Achei interessante e estava bem estruturado, e assim deu para ter uma ideia do que se vai passar nos próximos tempos.

Uma das coisas que registei com agrado é que a vencedora do International Man Booker vai ser editada pela D. Quixote agora em Setembro (na foto). Eu terminei neste momento a versão em inglês e a gostei muito (critica em breve), por isso fiquei contente por saber que está a chegar a versão em português.

Também vi por lá outros dos nomeados deste ano, o que quer dizer que o nosso mercado está atento e em movimento. Outra coisa que me agradou foi ver muita poesia na calha. Nunca há demasiada poesia, e diz que vem lá um novo livro da Adília Lopes.

Nem os livros infantis escaparam desta mostra de edições, que vai até Novembro. É só espreitar.

De que tem medo o João?

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Já tinha lido este livro há uns anos atrás, emprestado por uma amiga que partilha comigo o gosto por autores portugueses e poesia. E desta vez, quando o vi assim a sorrir para mim na estação de serviço, simplesmente não consegui resistir e tive de trazer o João comigo, relê-lo e partilhá-lo com o Peixinho Vermelho. Posso dizer que é um dos meus livros favoritos de sempre e aquele que penso: quem me dera escrever assim.

Este livro foi originalmente escrito em folhetos em 1933 e passado à forma de romance já em 1963. O próprio autor explica a génese do livro numa nota final, que sabe melhor se lida mesmo no fim. Tudo  se passa em plena ditadura salazarista, e ao lê-lo penso muitas vezes que só a ilusiva aparência de conto infantil o terá deixado escapar à censura. Porque à primeira vista este João é um conto juvenil, mas na realidade é muito mais que isso. É uma sátira à nossa portugalidade que se transpõe não só para os dias de hoje como para o mundo em geral.

Logo para começar, João é habitante de Chora-que-logo-bebes, uma aldeia onde todos choram e se queixam por tudo e por nada, e é isso que o leva a querer ir explorar a realidade para fora dos muros dando inicio à nossa antítese de conto de fadas. Aqui as fadas não são madrinhas nem salvadoras, mas seres que se divertem a manipular e atazanar o João, e para seguirmos o caminho da felicidade temos “apenas” que perder a cabeça e consequentemente a capacidade de pensar por nós próprios.

João é uma lição para todos nós, já que nunca se deixa intimidar com nada do que lhe põe no caminho e aceita sempre as suas provações com estoicismo, ironia e mesmo com altruísmo como na história da varinha de condão.

Recomendo a todos, principalmente aqueles que ainda estão espantados de existir.

– Não te aflijas – serenou-o, recostando a cabeça na moita. – Se eles rugissem, então sim, poderiam ser perigosos… Mas assim… Não os ouves? São poetas, talvez. Cantam as estrelas e a Lua. Louvam a vida e o amor. Vamos, dorme. Abraça-te bem a mim, João Medroso, e não temas a Natureza nem os homens que imitam os pássaros.

Goodreads Review

 

 

Uma família às direitas

O Meças

Estes poucos dias de descanso que tive em Agosto revelaram-se muito produtivos para livros de produção nacional. Depois de devorar um dos que comprei na estação de serviço, do João Aguiar, peguei finalmente noutro que tinha ganho num passatempo da Time Out. Mais um, depois do Dog Mendonça do Filipe Melo. Todos os meios são bons para arranjar boas leituras, especialmente em português.

Nunca tinha lido nada deste autor, e para ser extremamente sincera nem sequer tinha ouvido falar dele. O Peixinho Vermelho é que me disse para concorrer porque queria ler este livro, e eu assim fiz e tive sorte. Depois disso já vi um episódio da série Os Livros sobre o autor, e fui obviamente pesquisar sobre a sua vida. Fiquei a saber entre outras coisas que Rentes de Carvalho tem um blog, Tempo Contado, ao qual eu agora dou uma espreitadela regular.

O Meças é um livro muito interessante. A escrita é densa e quase poética, cheia de reflexões e pensamentos. Os personagens são todos difíceis e por nenhum senti sequer empatia, no entanto não consegui deixar de ler vorazmente a história e seguir todos os seus movimentos com atenção. O personagem que dá título ao livro é um velho irascível e dominador, que se vê a braços com o filho e a nora. No meio de tudo isso aparece um outro homem misterioso cuja relação com a história se vai revelando lentamente mas que também não nos aquece o coração.

Mais que tudo percebe-se um profundo conhecimento da natureza humana, das dificuldades dos meios rurais e a velha máxima que em terra de cegos quem tem um olho é rei. Acho que se consegue também sentir a nostalgia de quem, como o autor, vive longe do seu país há muitos anos e tem já sobre ele um olhar desapiedado e cru, fruto talvez das circunstâncias em que foi forçado a abandoná-lo.

Fiquei fã e com vontade de investigar mais livros do autor. Terei de investigar nos meus alfarrabistas do costume ou esperar que a Time Out faça mais passatempos do mesmo género. Se alguém souber de alguma coisa, que passe palavra.

Goodreads review

O Meças 2

História de Pedro e Inês

ines de portugal

Como já falei aqui muitas vezes ando a atravessar uma espécie de reader’s angst. Onde antes eu mal podia esperar acabar um livro porque tinha logo dois ou três em lista de espera, agora fico alguns dias a marinar no que hei-de ler a seguir, sem grande vontade de pegar em nada. Se calhar é visionamento de episódios da Buffy em excesso, mas a  cada um o seu pecadilho.

Assim, quando fui para o meu mini-passeio de férias levava o Kindle bem recheado, mais um livro em papel dum autor português e pensava que estava preparada para o descanso. E isso durou até à primeira estação de serviço, onde encontrei aquelas edições de bolso da Leya que mesmo sem pensar em comprar vou sempre espiolhar. E desta vez caí completamente na armadilha, pois não só tinham As Aventuras de João Sem Medo, livro delicioso que uma amiga me emprestou há uns anos e que eu fiquei apaixonada, como na compra de dois livros ofereciam um saco de pano. Ora assim é impossível resistir e lá vim eu não com um, mas dois livros e um saco nos braços.

E que livro escolher para acompanhar o João? A escolha era variada e interessante, mas acabei por trazer Inês de Portugal, do João Aguiar. Este é sem dúvida um dos meus escritores portugueses favoritos. Li A Voz dos Deuses há alguns anos e adorei. Como segui ciências no 10º ano o meu conhecimento de história é pouco e na sua maioria adquirido através de livros e documentários. E os livros deste autor, para além de contarem histórias muito envolventes, estão também envolvidos numa roupagem histórica que os torna ainda mais ricos.

Até agora tinha lido sempre livros da era da colonização romana, período que gostei muito e sobre o qual já tentei encontrar mais informação sem grande sucesso. O mundo dos livros de história ainda é difícil de desbravar e não consigo distinguir os que valem a pena ler dos que são pesados calhamaços de escola. Este é não só dum período diferente, como o nome deixa antever historieta de amor, coisa para a qual me falta paciência.

No entanto foi uma agradável surpresa. O amor está lá em pano de fundo, mas o enredo foca-se mais na conjectura política e nas implicações para o país de todo o caso, o que tornou o livro muito interessante. Quem o lê à espera duma profunda história de amor como usualmente é retratada vai ficar desiludido, mas para mim foi muito melhor assim.

Não tão bom como A Voz dos Deuses , mas mesmo assim leu-se num fôlego e como sempre tem notas explicativas no final, para percebermos o que foi realidade e o que foi liberdade artística e acabarmos a leitura com mais conhecimento do que começamos.

Recomendo a todos os que gostam de história ou simplesmente dum livro bem escrito.

Goodreads Review

Finalistas do Man Booker 2016

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Como já tinha falado anteriormente, por altura da atribuição do prémio Man Booker International, saiu no final de Julho a lista dos finalistas na categoria de livros escritos originalmente em inglês. Como também referi, mais que qualquer outro prémio literário, este fala-me ao coração e tem-me dado excelentes indicações nos anos anteriores, por sigo-o sempre com atenção. Neste momento já tenho na calha o “The Vegetarian” (vencedor deste ano em livros traduzidos), tenho só de acabar uma longa lista de livros pendentes que teima em perseguir-me.

A lista está para consulta aqui, e nela encontram-se veteranos previamente galardoados (até com o Nobel), como o sul africano JM Coetzee ao lado de novatos nestas andanças.

Muitos deles estiveram previamente disponiveis no Netgalley, por isso eu poderia tê-los pedido às editoras. Fica a dica para o próximo ano, que para este já vou tarde. No entanto, depois de dar uma vista de olhos nos títulos e respectivas criticas no Goodreads fico com a ideia de ler alguns:

The School Days of Jesus – JM Coetzee: Na realidade até tenho a versão traduzida em português para ler, que me foi emprestada por um amigo do trabalho. Só ainda não tinha chegado ao topo da minha longuíssima lista de livros para ler (já li o Disgrace do mesmo autor e não foi um livro que adorei), mas após esta nomeação com certeza vai passar à frente na fila.

His Bloody Project – Graeme Macrae Burnet: Com 4.17 de rating no Goodreads este policial escocês promete entusiasmar até a mim que não sou uma fã incondicional do género.

The Many – Wyl Menmuir: Um mistério gótico numa praia inglesa é o primeiro livro deste autor. Com peixes mortos a darem à costa parece-me uma leitura leve para férias.

Eileen – Otessa Moshfegh: Um livro que revolve em torno duma mulher muito estranha e com uma história peculiar. Mesmo ao jeito das histórias bizarras que costumo gostar.

Já em Setembro saberemos quais os que chegam à lista final e em Outubro o grande vencedor. Até lá, boas leituras.

O último Pizzaboy

Dog Mendonça

Na realidade o último Pizzaboy é quase exclusivamente sobre o nosso amigo lobisomem Dog Mendonça. Posso agradecer aos passatempos da TimeOut o facto de poder ter lido este livro, porque apesar de ter comprado todos os outros volumes da colecção ainda não me tinha decidido a comprar este. Mas assim que a oportunidade apareceu agarrei-a e fui uma das contempladas. Já tinha falado desta série aqui.

Este livro tem 4 episódios e não uma única narrativa central como os outros, uma vez que tinha sido uma encomenda da editora americana Dark Horse para uma colectânea de vários autores. Talvez por isso se note que não há a mesma força das histórias mirabolantes dos outros volumes. No entanto, a qualidade gráfica continua a ser deslumbrante (e a justificar em pleno o convite da Dark Horse), e a cumplicidade entre os personagens é deliciosa. O sentido de humor que salta de cada página é também o que já nos foi acostumando desde sempre.

Aconselho também lerem esta review de quem segue BD mais que eu, a Cristina do blog Rascunhos.

Aconselho a quem gosta de BD, de bons livros, e de fantasia.

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Os Macacos que não Aprendem

Tom Lutz

Mais uma vez o Netgalley deu-me a conhecer um livro de viagens. Claro que como sou eu que escolho os livros que quero ler, não é inocente estar sempre a ler livros deste tema. A principio estava um bocadinho apreensiva porque este livro é uma imensa colecção de pequenos episódios vividos pelo autor nas suas muitas viagens pelos vários cantos do mundo (acho que só faltou a zona da Austrália). Tendencialmente não gosto muito de narrativas assim desconexas e sem um fio condutor, prefiro que tenha uma história, neste caso uma rota definida como se fosse uma viagem que eu também estivesse a fazer.

No entanto, este livro acabou por ser uma agradável surpresa. Apesar de não terem relação entre si, e mesmo temporalmente não se conseguir perceber uma cronologia, todos os pequenos momentos eram muito interessantes e de algum modo revelavam um pouco do ambiente do país, ou da cultura das pessoas.

Não ajuda a escolher o próximo destino de férias, mas ajuda certamente a ver algumas coisas por um prisma diferente, e pelo menos a mim, ensinou-me algumas coisas novas. Continuo a achar que a Ásia Central é um dos destinos que terei de explorar algures na minha vida.

Recomendado a todos os viajantes empedernidos, ou os que gostam de viajar nas palavras.

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Os Anjos Que Morrem

The Angels Die

Foi só este ano que comecei a ler livros através do Netgalley mas devo dizer que já consegui verdadeiras pérolas. Deu-me principalmente acesso a livros exóticos, de outras partes do mundo, autores novos (para mim), mas também livros novos de autores que eu já gostava.

Desta vez levou-me até à Argélia dos anos 30. Yasmina Khadra, apesar do seu nome feminino, é na realidade um antigo militar argelino que para se proteger e fugir à censura escreveu os seus livros sempre em nome de mulher.

Este livro encontra-se traduzido em português, mas com um título que não me apelava muito (Os Anjos Morrem das Nossas Feridas). Talvez por isso só agora me deparei com ele, em parte devido ao poder de síntese anglo-saxónico que tornou o título mais chamativo (The Angels Die).

O livro conta-nos a história de Turambo e com ela a história dum momento num país. A sua realidade colonialista, de segregação racial, mas também a luta dum homem para se afirmar na sociedade, na vida e no amor quando as circunstâncias já lhe eram desfavoráveis à partida. Como a história argelina me era grandemente desconhecida, foi mais um incentivo para ir pesquisa e descobrir um país novo. Não é necessariamente um livro fácil, bonito, com romance de final feliz, mas isso só o torna mais semelhante à vida.

Gostei muito, fiquei com vontade de descobrir mais livros deste autor. Aconselho a todos os que se querem aventurar em leituras fora dos temas tradicionais, e fora do mundo anglo-saxónico a que estamos habituados.

Goodreads Review

If we look closely at our lives, we realise that we are not the heroes of our own stories. However much we feel sorry for ourselves or enjoy a fame based on fleeting talent, there will always be someone better or worse off than us. Oh, if only we could put everything into perspective – affectation, honour, sensitivity, faith and self-denial, falsehood as well as truth – we would doubtless find satisfaction even in frugality and realise very soon to what extent humility preserves us from insanity; there is no worse madness than thinking the world revolves around us.