Acabei de Ler – Sahara, de Michael Palin

saharaKeep scrolling if you prefer to read in English.

Depois de um Agosto com muitas leituras comecei um Setembro muito seco. A cabeça esteve ocupada com o regresso à escola, que era nova, e com muitas adaptações necessárias. Retomar a natação depois duma paragem de um mês também trouxe os seus desafios, e ainda houve o regresso ao trabalho aí pelo meio.

Normalmente esta seria a altura em que um livro de fantasia era o ideal, mas li tantos em Agosto que perdi (temporariamente) a vontade. Pensei em finalmente participar no #septemberthrills da Dorinha, mas achei que a minha vida não precisava de mais agitação.

Quando assim é já sabem o que faço. Vou viajar vagarosamente com alguém meu conhecido. Desta vez fui com o Michael Palin fazer um périplo pelo Saara, circa ano 2000. E que viagem maravilhosa, acho que foi a minha favorita até agora deste autor.

Primeiro, eu tenho um fascínio por África, apesar de só ter estado na Tunísia e em São Tomé. Depois, o Michael Palin é um viajante fantástico que consegue ver para além do aparente, pôr-se na pele daqueles que o acolhem, sem deixar de questionar o que necessita de ser questionado, mas sempre com muita empatia. E doses imensas de humor britânico e capacidade de se rir de si próprio.

Todas estas qualidades se fazem sentir neste livro em que Palin viaja por sítios muito empobrecidos financeiramente, mas ricos em história e resiliência humana. Pressentimos nas páginas que a viagem não foi fácil fisicamente para um citadino de quase 60 anos, mas nunca as coisas são apresentadas em forma de queixume ou resmunguice. E isto inclui várias intoxicações alimentares, um almoço ao sol com temperaturas de quase 50 graus (filmagens, a quanto obrigam) e um 11 de Setembro que acontece quando eles estão no meio do Níger.

Foi uma leitura deslumbrante e que me deixou a pensar em quanto terão mudado os sítios em que ele esteve nestes 22 anos que passaram. Estes livros são também um retrato de um tempo que já não é o nosso, apesar de não ser muito distante.

Recomendo imenso a todos os interessados em viagens, em África, em aprender. A certa altura, no Mali, Palin conhece o músico Toumadi Diabaté, um griot que toca Kora, um instrumento típico maliano. Pus a tocar no YouTube enquanto lia e foi como se estivesse lá. Deixo aqui o link para ouvirem, é sublime.

Até à próxima viagem. Até lá, Boas Leituras!

Goodreads Review

After an August very rich in books, September was a dry spell. My head was to busy with all the back-to-school activities, as my little fish was going to a new school, and restarting the swimming pool also presented its challenges. Plus, the back to work equation. All this contributed to a very fuzzy mind indeed.

Usually, this would be the ideal time for a fantasy book, but I devoured so many in August that my appetite faded, at least temporarily. I also thought about joining the #septemberthrills challenge from Dorinha, but my mind was not thrilled about it either.

If you follow this blog, you already know what I do when I’m in one of these rumps. I go travelling with one of my favourite authors. This time I chose to visit the Sahara circa 2000 with Michael Palin. And I believe this has been my favourite journey with this author so far.

Firstly, Africa fascinates me, even though I only ever visited Tunisia and São Tome and Principe. Secondly, Michael Palin is an amazing traveller, who can see beyond the obvious and actually feel what it would be like to live as the ones who welcome him, without failing to question what needs to be questioned. Add to all of this, big doses of his well-known British humour, and an amazing ability to laugh at himself.

All these qualities are very clear in this book. Palin travels through impoverished countries, which are rich in history and in resilience. We can also see through the lines that this must have been a taxing journey physically for an almost 60 years old city dweller, but he never grumbles in the pages. And it included several food poisonings and a lunch in the sun that reached almost 50 degrees Celsius, just to get better footage. Plus, 9/11 happened while they were in the middle of nowhere in Niger.

It was an amazing read that left me wondering how much these countries have changed in the 22 years that have passed in the meantime. These books are also a portrait of a time, that even though is not that distant, it is also no longer ours.

I recommend it to all of those that love travelling, Africa, learning other cultures. At some point, in Mali, Palin meets Toumadi Diabaté, a Malian musician, a griot that plays Kora, an ancient instrument. I searched him on YouTube and played it while reading that passage and magic was made. It was sublime. I leave you here the link, so you can also check it out. 4 minutes of bliss. 

On to the next journey. Until then, Happy Reading!

A Divisibilidade: A Invisibilidade a Dois

luiza-neto-jorge

A mulher divide-se em gestos particulares
o homem divide-se também. Se o átomo é
divisível só poeta o diz.

a mulher divide-se em gestos
extremos coloridos arenosos destilados.

dois homens são duas divisões de uma
casa que já foi um animal de costas
para o seu pólo mágico.

A divisibilidade da luz aclara os mistérios.
A mulher tem filhos. Descobrem-se
partículas soltas um dedo mínimo
o peso menos pesado da balança
um cabelo eloquente em desagregação

Gestos estrídulos dividem a mulher
o homem divide-a ainda.

Luiza Neto Jorge

Acabei de Ler – One Last Stop

one last stop

Keep scrolling if you prefer to read in English.

Agosto Leve estava para durar e voltei a pegar num romance. One Last Stop tem feito furor nos youtubes internacionais, mas ainda não está traduzido para português. É uma história de amor entre duas mulheres jovens, mas com um toque sobrenatural, já que uma delas se encontra presa numa linha de comboio em Nova Iorque.

August muda-se para a grande cidade na expectativa de terminar a faculdade e encontrar o seu lugar no mundo. Aluga um quarto, arranja um part-time e fascina-se por uma estranha que conhece no comboio. Mas quando percebe que Jane não consegue sair da linha, vai desencadear-se uma investigação e um plano para resolver este mistério.

O livro está bem escrito, e a história é muito interessante. Ficamos presos às páginas na expectativa de saber o que se está a passar, e se será possível ter solução. Ao mesmo tempo vamos conhecendo os amigos de August, que se vão tornando família. Os personagens secundários também estão muito bem escritos, e dão vida a toda a história. É uma mistura de romance com thriller que nos deixa bem dispostos.

Foi um livro perfeito para o Verão, que se está a revelar um sucesso literário. Passemos ao próximo! Até lá, boas leituras!

Goodreads Review

The light August mood was here to stay, and I picked up another romance novel. One Last Stop has been all over YouTube but hasn’t been translated to Portuguese yet. It’s a romance between two girls with a supernatural twist, as one of them is stuck on a New York train line, who knows since when.

August just moved to the big city in the hopes of finishing college and finding her purpose in life. She rents a room, finds a part-time job and becomes fascinated with a young woman she meets on a train ride. But soon she discovers this girl, Jane, is stuck on the train, with no ability to leave. She will start an investigation on this, in the hope of understanding who Jane is, and how she can be released from the train.

The book is good, well written and a page turner. We get glued to the pages trying to understand what is happening and how will it be sorted. At the same time, we get to see August’s relationship with her new flatmates flourish, and they become her newfound family, which warms our hearts. The supporting characters are well written and bring the story to life. It’s a romance/thriller that leaves us in a good mood.

It was a perfect summer book, continuing the trend of good books I read this August. On to the next. Until then, Happy Reading!

Acabei de Ler – A Trilogia do Príncipe Cruel

cruel prince

Keep scrolling if you prefer to read in English.

Depois de fantasia hollywoodesca da Evelyn Hugo, resolvi continuar a ler coisas leves e simples, mas virei para a fantasia a sério. Mais uma vez tinha visto boas opiniões desta trilogia, mas confesso que fui um bocado a medo. A experiência com a Sarah J Maas deixou-me de pé atrás em relação a fantasia moderna.

As fadas (fairy ou faery) existem na mitologia popular europeia desde tempos imemoriais, e crê-se que foram trazidas da ainda mais antiga mitologia persa. São seres míticos e nem sempre muito simpáticos. Podem ser trapaceiros e brincalhões, nas versões mais moderadas, ou mesmo perigosos e agressivos, em versões mais radicais. Mais recentemente a sua história cruza-se e confunde-se com a dos elfos, e ganharam novo folêgo na literatura fantástica.

Há traços mais ou menos comuns a todos, mas depois cada autor cria o seu mundo, com as suas próprias regras. Foi isso que Holly Black fez, criando um mundo de fadas que vive muito próximo do nosso, mas com criaturas diferentes e regras próprias.

Jude tem 7 anos quando a história começa. Está em casa com os seus pais e as duas irmãs, quando um homem estranho aparece e assassina os seus pais. Como dívida de honra leva as três irmãs consigo de volta para o Reino de Elphane, terra de fadas e criaturas míticas. Jude vai crescer neste ambiente que lhe é hostil, mas vai acabar por considerar como sua verdadeira casa. E vai tentar construir uma vida no meio de intrigas políticas , esquemas e tramas. Os Fae não podem mentir, mas são exímios a torcer a verdade. A sua nemesis é o mais jovem herdeiro do trono, o príncipe Cardan.

A partir daqui é mais ou menos óbvio o que vai acontecer. Esta é uma história de enemies to lovers, uma das minhas tramas favoritas. Mas sem a crueza e a deselegância de ACOTAR. O princípio base é o mesmo nas duas séries, uma rapariga humana obrigada a viver no mundo Fae, mas esta história é mais bem conseguida. Uma das críticas que lhe é apontada é que o mundo não está bem desenvolvido e o esquema de magia pouco explorado, mas para uma pessoa com pouca paciência como eu, isso acabou por ser uma vantagem.

A história tem princípio, meio e fim com os três livros, está recheada de acção, e era difícil pousar o livro para fazer tarefas comezinhas do dia a dia, como trabalhar ou cuidar da criança, por isso considero esta série um sucesso.

Perfeita para ler num mês de verão, à beira da piscina, mas ainda melhor no Outono que aí vem, enrolados numa manta.

Vamos ver o que mais me trouxe o Agosto Leve, mas até lá, Boas Leituras!

——————————————————————————————————————–

After reading Evelyn Hugo’s Hollywood fantasy I decided to keep the lighter mood for August and dive into some real fantasy. I picked up Holy Black’s trilogy, The Cruel Prince, because I saw very good reviews about it, but I was a bit reluctant at first. The bad experience I had with Sarah J. Maas tainted this new wave of modern fantasy, and I was afraid I was going to be disappointed.

Fae creatures have existed on folk stories across Europe for a very long, and it is believed they first appeared in Persian mythology. They are mythical beings, not known for being nice. They range from tricksters to dangerous and recently their history blends with the elves and they have become fantastic creatures that often appear in this genre of literature.

There are common traits to all, but every author creates their own world with their own peculiarities, and Holly Black was no different. She has blended Fae’s world with ours, with everyone living within their boundaries, but some people able to dabble in both worlds.

Jude, our protagonist is 7 years old when the story starts. She is at home with her parents and her 2 sisters when a stranger appears and murders her parents. He brings the girls back with him to Elphane, in the Fae world, as a debt of honour to be repaid. Jude grows up in this hostile environment but cannot help to consider it her true home, where she so wishes to belong. She will try to build her life amidst intrigue, scheming and political alliances. Fae people cannot lie, but nothing stops them from bending the truth. Her nemesis is the youngest prince, Cardan.

We all know what goes on from here. This is an enemies to lovers trope, which happens to be one of my favourites. But it was so much better than ACOTAR, with none of its nonsense and much less sex (which is a good thing). The principle is the same on both series, that of a human girl that has to live in the Fae world, but it was so much better explored here. Some people complaint the world building is weak, and the magic system is not well explained, but someone as impatient has me, that was actually a good thing.

This story becomes complete with the 3 books, is packed full of action and it was very difficult to put it down to go about my daily life and do simple stuff like feeding my child or working. It was that entertaining. It is perfect as a summer read by the pool, but even better to read in the upcoming Autumn, with its cozy vibes.

Stick around to see what else the light August allowed me to read. Until then, Happy Reading!

Poema Inacabável

manuel-de-freitas

Many loved before us, I know
that we’re not new…
– podia começar assim,
com uma dessas canções
profanas e furibundas
a que se regressa sempre
nos partidos tempos da vida.

Mas não creio que o alento possa voltar
a ser o daquelas manhãs de Junho
em que uma despedida precoce ditou leis
que eu cumpri demasiado bem.
Que tem isso a ver contigo, dirás,
e a resposta cala-se no meu peito,

asfixia lentamente nas sílabas
do teu nome em forma de punhal,
enquanto eu, o próprio, ando por aí
a ver passar os navios que já não passam
e a preparar tabernas disponíveis
para a velhice que virá.
Já não sou, acredita, esse príncipe

de um reino que quis imundo e breve.
E sei agora que as algemas do amor
doem mais quando os pulsos mal abertos
calafetaram a memória numa travessa
sem espera. De pouco serve importunar-te:

és apenas o álibi dilacerante
de um poema que eventualmente terá
alguma coisa a ver comigo, nada
que mereça a pena que aliás nada merece.

E hás-de ter uma vida, uma família, um cão,
como toda a gente tem mesmo que não tenha,
inventando paliativos cheios de calor,
do sossego, que nunca curaram ninguém
da peste real do amor: esta vontade
de beber por mãos alheias o sangue derramado,
suspenso num sorriso em chamas
sobre o qual já tudo foi dito e ainda nada.

Que te protejam, na noite serrada,
as mais frias certezas e a boca da catástrofe
que não beijou nem quis o poema inacabável.

Manuel de Freitas

Acabei de Ler – Os Sete Maridos de Evelyn Hugo

evelyn Hugo

Keep scrolling if you prefer to read in English.

Agosto é um mês de silly season, não só nos telejornais mas na vida em geral. A primeira metade passo-a com aquele cansaço de quem está a chegar às férias, e a segunda com aquela exaustão de quem está de férias com uma criança de 3 anos. Por isso este ano foi #AgostoLeve, com leituras fáceis e interessantes.

Resolvi começar por um livro que tem andado nas bocas do mundo, e que toda a gente pareceu adorar, Os Sete Maridos de Evelyn Hugo. Evelyn era uma actriz dos anos de ouro de Hollywood, que resolveu escrever uma biografia agora que já se está a aproximar o final da sua vida. Para o fazer escolhe uma jovem jornalista, que ainda não se afirmou na sua profissão. O que se segue é um relato em primeira mão da sua história atribulada e as suas relações amorosas, tentando responder à questão de qual dos maridos é que ela amou verdadeiramente.

O problema quando lemos um livro assim é que vamos com as expectativas muito elevadas, que nem sempre são correspondidas, como foi o caso. A história é engraçada e surpreendente, está bem contada, mas não me encheu as medidas. Admito que o problema deve ser meu, porque sou imune ao glamour de Hollywood. As vidas dos artistas não me interessam muito, e até mesmo o nome dos actores eu tenho dificuldade em memorizar, tirando aqueles que só se vivesse debaixo de uma pedra é que não saberia. Evelyn não é uma personagem simpática (propositadamente), mas Monique também não me criou empatia.

Sei que a minha opinião não é popular, por isso não se detenham se vos apetecer ler este livro. Não é um mau livro, e para muita gente é mesmo um dos favoritos da vida, por isso leiam e venham dizer-me o que acharam.

Até lá, Boas Leituras!

Goodreads Review

August is silly season time, not only in the news but in everyday life as well. I spend the first half of the month longing for the holidays, and the second half exhausted by my 3-year-old toddler. This is why I lean towards light books, engaging and easy to read.

I decided to start with a bang, with a book that has been the talk of the town, and everybody loved, The Seven Husbands of Evelyn Hugo. Evelyn was an actress from the Golden Age of Hollywood, beautiful and glamorous, that decides to write her memoirs now that her life is approaching the end. For this she recruits a young journalist woman that is still trying to get recognition in her field. What ensues is the first-hand recollection of a very rich and troubled life, always with a question on the back, who did Evelyn Hugo really loved.

The problem when we read a book so hyped, is that we start with very high expectations and sometimes they come out short. This was the case for me. The story is good, interesting, and well told, but it was not up my alley. It is my problem, not the book, as I seem to be immune to the Hollywood glamour. I have no interest in the personal lives of actors, don’t follow Hollywood gossip, and struggle to even remember the names of the actors, apart from the most obvious ones. Evelyn is not a nice character, which quite suites the story, but I also failed to have empathy for Monique, or any of the others.

I know this is a (very) unpopular opinion, so if you were thinking of reading this book, please proceed, as many people see it as a favourite for life. It’s not a bad book, it was just a normal, somewhat boring book for me. Let me know how you feel about it in the comments.

On to the next one. Until then, Happy Reading!

#AgostoLeve

P70311-111215

Agosto foi mês de férias. Nos primeiros 15 dias a trabalhar mas com os fusíveis a chegar ao fim, e depois 3 semanas seguidas sem compromissos laborais. Claro que “férias” com um jaquinzinho de 3 anos sabem a tudo menos a descanso, por isso o tom do mês foi leituras leves. Coisas boas para distrair e refrescar a cabeça, sem pensar no sentido da vida, ou se haverá vida em Marte. Mesmo assim foi um mês produtivo e consegui ler 7 livros, num amplo espectro de prazer e qualidade. Em breve falarei por aqui dos mais conhecidos, ou que mais gostei, os outros poupo-vos a descrição.

Consegui finalmente ler a escritora fetiche do momento, Taylor Jenkins Reid, com o seu aclamadíssimo “Os Sete Maridos de Evelyn Hugo”, mas vão ter que esperar para saber o que achei dele. Li a trilogia completa do Príncipe Cruel, da Holy Black, que nada como uma bela fantasia para animar o espírito. Ainda coube um romance LGBT que também foi muito falado, e dois livros duma autora “hot” medianamente desconhecida, Katee Robert, que me chegaram através do Netgalley.

A tudo isto se juntaram visitas diárias a parques infantis, algumas incursões pela praia, mas poucas que o tempo esteve pouco de feição, e uma visita ao planetário onde já não ia desde a minha própria infância. Tudo culminou num saltinho à Feira do Livro de Lisboa, que este ano estava particularmente bonita, apesar de eu não er comprado nada. Este #AgostoLeve acabou por ser tão intenso, que fiquei com uma ressaca literária por vários dias, por isso acho que a verdadeira leveza chegou em Setembro.

Em breve falarei de alguns destes livros em mais detalhe, até lá Boas Leituras!

A Nuvem Prateada das Pessoas Graves

Rui Costa

Nem sempre se deve desconfiar das pessoas

graves, aquelas que caminham com o pescoço inclinado para baixo,

os olhos delas a tocar pela primeira vez o caminho que os pés confirmarão

depois.

Às vezes elas vêem o céu do outro lado do caminho que é o que lhes fica por baixo

dos pés e por isso do outro lado do mundo.

O outro lado do mundo das pessoas graves parece portanto um sítio longe dos pés

e mais longe ainda das mãos

que também caem nos dias em que o ar pode ser mais pesado e os ossos

se enchem de uma substância morna que não se sabe bem o que é.

Na gravidade dos pés e da cabeça, e também dos olhos, com que nos são alheias

quando as olhamos de frente rumo ao lado útil do caminho que escolhemos, essas

pessoas arrastam uma nuvem prateada que a cada passo larga uma imagem daquilo

que foram ou das pessoas que amaram.

Essas imagens podem desaparecer para sempre se forem pisadas quando caem no

chão. A gravidade dos pés e da cabeça, e também dos olhos, dessas

pessoas, é, por isso, uma subtil forma de cuidado.

Rui Costa in A Nuvem Prateada das Pessoas Graves

Finalistas Booker Prize 2022

booker 2022

Depois de ter estado de férias em Agosto e início de Setembro, volto para vos dizer que no passado dia 6 foram anunciados os finalistas do prémio Booker deste ano. A principal surpresa é que não aparece The Colony, que era dado quase como certo nesta lista. Por outro lado aparece o único que eu já tinha lido, Oh William!, que confesso que não estava à espera, apesar de ter gostado bastante do livro e me ter feito querer ler mais coisas da autora. 

Deixo aqui novamente a lista dos nomeados, e as minhas impressões sobre eles. Neste momento  não tenho ideia nenhuma de quem será o vencedor, mas nesta lista encontra-se o autor mais velho a ser nomeado, e o vencedor será anunciado no dia em que ele faz 87 anos, por isso pode ser que lhe estejam a preparar uma prendinha. 

Glory de NoViolet Bulawayo – O que se segue num país quando um líder ditatorial de longa data finalmente é afastado? E se essa nação for no reino animal? Esta é a premissa desta sátira à queda de Mugabe no Zimbabwe em 2017. Parece ser um livro muito interessante, e esta autora já não é nova nestas andanças de ser nomeada para os Booker. 

Small Things Like These de Claire Keegan – Mais um livro passado na Irlanda, em 1985, sobre Bill Furlong, um homem normal com uma vida banal, mas que tem a oportunidade de fazer uma coisa extraordinária. Esta sinopse dá-me imensa vontade de pegar já no livro, e o facto de ser só 118 páginas ajuda muito também. 

Treacle Walker de Alan Garner – Este livro tem críticas excelentes, mas devo dizer que mesmo após ter lido a sinopse, não sei bem do que se trata. A amizade entre um rapaz e um caminhante, imersa em mitos e lendas rurais, pelo que percebi. Não está na minha lista de prioritários para ler. 

The Trees de Percival Everett – Uma série de assassinatos estranhos no Mississipi são difíceis de ser investigados por pouca colaboração da polícia local, mas quando se começa a perceber as ramificações, percebe-se que estamos perante algo muito estranho. Esta é a premissa inicial dum livro que é muito estranho e muito actual, já que se foca nas tensões raciais na América, que continuam a ser ainda tema corrente. Parece-me uma boa aposta!

Seven Moons of Maali Almeida de Shehan Karinatilaka – Tendo a personagem principal um apelido tão maravilhoso, obviamente que este livro tem que ser lido. Quero também realçar que tem sido delicioso ver vídeos sobre os nomeados de booktubers anglófonos, e ver como tentam pronunciar isto. That being said, o autor é do Sri Lanka e a trama passa-se na sua capital, Colombo. Maali Almeida aparece morto e tem sete luas para conseguir descobrir como isso aconteceu. Parece-me delicioso, e está no topo da minha lista de livros a ler. 

Oh William! de Elizabeth Strout – O único livro desta lista que eu já li, há precisamente 1 ano, cortesia do Netgalley. É com personagens de livros anteriores, nomeadamente Lucy Barton, mas mesmo se não leram não perdem nada, porque a autora explica tudo o que é necessário, que é pouco. Gostei bastante, é  um livro que se lê muito rápido, e Lucy Barton é uma personagem deliciosa com a qual nos identificamos muito. Não deve ser o vencedor, porque há outros nomeados que são mais falados, mas é um livro que vale a pena ler. 

Já leram algum, têm previsões? Digam-me tudo e até lá Boas Leituras!

Poema Verde

raquel

Não me peças para amadurecer
que não sou peça fruta,
sou peça de outra engrenagem,
e a vida não é árvore nem fruteira.
Depois ninguém sabe o que é a vida,
a vida vai-se fazendo,
ou vai-se sem mais,
sem chegar a ser inteira.
E eu quero continuar verde
como o mar, verde
como um poema de Lorca, verde
como o verde dos meus olhos, verde
apesar do comprimento dos dias, verde
às vezes de raiva, que com duas patas
também se pode ser cão, verde
por saber o que é a tristeza
e a inutilidade da alegria ao ponto de cortar os pulsos,
mesmo quando temos vários corações a bater fora do corpo.

Raquel Serejo Martins