Quem me conhece, ou lê o blog há algum tempo, já sabe que eu costumo ler muitos livros de não-ficção. Não sei se sempre foi assim na minha vida de leitora, imagino que em adolescente isso não fosse tão comum, mas já é assim há muitos anos. Não-ficção é um género extremamente abrangente, que vai desde ensaios, crónicas, literatura de viagens, literatura cientifica, biografias e uma imensidão de outras coisas.
Suponho que haja menos gente a ler não-ficção (ou pelo menos tem manos visibilidade) porque tendemos a associar estes livros com uma experiência penosa e maçuda. Achamos que vão ser sempre grandes calhamaços, difíceis de decifrar, muito porque essa foi a experiência que tivemos no nosso percurso escolar onde, pelo menos no meu tempo, os programas não eram conhecidos por escolher livros acessíveis e que dessem prazer ler (levante a mão quem efetivamente conseguiu ler “As Viagens na Minha Terra”, que eu tiro-vos o chapéu). Podemos também associar não-ficção aos livros de auto-ajuda, de alimentação, de bricolage, e nem todos temos interesse nisso, ou preferimos ver vídeos no Youtube.
Mas na realidade, um bom livro de não-ficção pode ler-se com o mesmo entusiasmo com que se lê uma história imaginada. A realidade é muitas vezes muito mais inacreditável que o que qualquer mente consiga inventar.
Todos os anos acabo por ler alguns livros destes, servem muitas vezes para “desenjoar” quando estamos fartos do género que mais costumamos ler. O ano em que mais li foi 2012, em que dos 50 títulos, 21 eram não ficção. Foi o ano em que comprei o Kindle, e de repente todo um novo mundo de livros em inglês ficou disponível. Tive acesso a imensa literatura de viagem, descobri Bill Bryson, de quem já li quase tudo, e muitos outros autores. O ano mais fraquinho foi 2015, em que dos 40 que li, só 2 eram não ficção. Não faço ideia porquê.
O Goodreads diz que eu já li 124 livros de não ficção, o que é uma quantidade que me deixa feliz. Mas com certeza que nem todos foram assim tão interessantes. Deixo-vos uma lista dos 12 melhores, se quiserem ler um por mês.
– Sem Deixar Rasto, de Jon Krakaeur – mais conhecido por “Into Thin Air”, este foi o primeiro livro que li sobre escalada ao Evereste, mais concretamente o desastre de 1996, que mais tarde deu um filme, e foi o grande responsável por eu ser uma leitora assídua de montanhismo de alta montanha. Jon Krakaeur é um excelente escritor, foi muitos anos cronista em revistas de desportos de ar livre, e participou nesta expedição. Fez parte da equipa em que alguns clientes morreram, e muitos ficaram com sequelas permanentes. Apesar das suas opiniões serem um pouco tendenciosas, como seria de esperar de alguém que viveu o evento em vez de o observar de fora, o livro está brutalmente bem escrito, e foi um dos dois do autor que me fez chorar copiosamente no autocarro a caminho do emprego (e não pelo facto de ter que ir trabalhar).
– Cozinha Confidencial, de Anthony Bourdain – o que dizer sobre este livro e este autor que ainda não se tenha dito? Escrevia bem, tinha um olhar único sobre o mundo, uma visão particular. Este foi o livro que o catapultou para o estrelato, e foi uma leitura fabulosa. Tem um sentido de humor muito apurado e diz-nos verdades sem papas na língua. Aprendi muito com este livro, e continuo a achar que vale muito a pena ler.
– Os Meus Problemas, de Miguel Esteves Cardoso – segunda colecção de crónicas deste escritor português, este foi o livro que me iniciou na literatura adulta aos 14 anos. As crónicas que mais ficaram na minha ideia foram as mais cómicas, fruto da minha idade, nomeadamente uma sobre ter 15 anos (extremamente adequada) e outra sobre os nomes de terras portuguesas. A Bertrand tomou conta disto em 2020 e tem vindo a reeditar estas crónicas para quem quiser aproveitar. Eu ainda cá tenho os originais de finais dos anos 80, principios dos 90, e é incrível como algumas continuam actuais.
– Uma Breve História de Quase Tudo, de Bill Bryson – Não foi o primeiro Bill Bryson que li, mas foi com certeza o melhor, que é o que se quer. Não é pequeno, 544 páginas, mas também não é extraordinário para a história de quase tudo. Isto não só é a história de nós enquanto humanidade, mas também a história do que nós fizemos para compreender o mundo à nossa volta, nomeadamente a ciência. Tudo contado com um humor muito sarcástico, episódios anedóticos, tudo o que possam imaginar que torna isto numa leitura extremamente rápida e agradável. Gostei tanto que já o ofereci várias vezes a pessoas completamente diferentes. Maravilhoso!
– The Sound of a Wild Snail Eating, de Elisabeth Tova Bailey – este livro foi uma maravilhosa surpresa. Lembro-me que o escolhi simplesmente pelo título, sem saber nada sobre ele, e acabei por o adorar. É a história da autora, que sofre duma doença repentina que a deixa presa à cama. Uma amiga leva-lhe um caracol que encontrou no jardim, e deixa-o no seu vaso de flores. Elisabeth vai passar muito tempo a observar esta forma de vida tão delicada e a meditar no seu próprio sentido da vida, e o impacto que uma doença pode ter. Acabou por se dedicar ao estudo de gastrópodes porque ficou fascinada por estas belas criaturas. Confesso que mudou completamente o modo como eu própria aprecio estas pequenotes, e fiquei muito mais consciente da sua existência, ao ponto de ser a maluquinha que anda a apanhar bichos no meio da estrada para os colocar na vegetação e não serem atropelados. Se gostam de natureza e de pensar na vida de modos diferentes, este livro é para vocês.
– O Caminho Imperfeito, de José Luis Peixoto – este livro é uma mistura de coisas. Primeiro, é dum autor português que eu gosto muito e que escreve muito bem. Depois, é um livro de viagens, género que eu leio imenso, e ao mesmo tempo é muito diferente dos livros de viagens tradicionais. Eu já tinha ido à Tailândia, mas a minha experiência foi muito diferente de tudo o que é relatado neste livro. Uma bela colecção de histórias e momentos que nos fazem passar um bom bocado e viajar no nosso sofá.
– As Cinzas de Angela, de Frank McCourt – só depois de ver a minha lista de livros lidos é que me apercebi que este também é não ficção. As cinzas de Angela contam a história da infância de Frank McCourt, passada na Irlanda numa altura em que grassava uma enorme crise económica. O seu pai era alcoólico e a sua mãe não tinha dinheiro para alimentar todos os filhos. A pobreza era extrema, a fome também, mas mesmo assim damos por nós a sorrir muitas vezes ao ler este livro. A escrita é leve e divertida, tudo o que a sua infância não foi, apesar de passarmos o tempo com o coração nas mãos. Confesso que chorei na altura, mas hoje em dia, sendo mãe, não sei se conseguiria ler este livro. Aconselho, mas vão avisados que não é sobre uma realidade bonita.
– Bad Science, de Ben Goldacre – claro que tinha que incluir aqui um livro sobre ciência. Ben Goldacre é um escritor e psiquiatra britânico, que escreveu uma coluna no The Guardian com o mesmo nome, que se dedicava a desmistificar mitos e pseudociência. Todas aquelas mezinhas e curas milagrosas que aparecem ciclicamente por aí, mas também os “estudos cientificos” que muitas vezes não têm nada de ciência e servem unicamente determinados interesses económicos. Desde modas de nutrição a campanhas antivacinas, tudo foi desmistificado e melhor ainda, aprendemos a distinguir quando um estudo tem verdadeiramente validade cientifica. Apesar de já ser de 2008, continua tremendamente atual, como se pode comprovar com a recente pandemia. Aconselho muito, a menos que sejam muito fãs de homeopatia, terapias florais, ou acreditem que vacinas causam autismo.
– Into The Wild, de Jon Krakauer – Único repetente desta lista, mas não conseguia deixar de falar no primeiro livro do Jon Krakaeur que li, sobre a história de Christopher McCandless, e que deu origem a um filme igualmente bonito. No inicio dos anos 90 Christopher McCandless, logo após a conclusãoda faculdade, resolve desfazer-se do seu carro e dinheiro, e partir à aventura um pouco por toda a América, livre de qualquer apego material ou familiar. Essa jornada acaba por o levar até ao Alaska, onde acaba por morrer de fome, mas pelo caminho conhece muita gente e toca a vida de muitas pessoas. É especialmente interessante a reação que cada pessoa tem a esta escolha de vida, tão alienigena para alguns que acabam por a classificar como mimada, inconsequente, ou irresponsável. Para muitos de nós, as escolhas radicalmente diferentes das nossas são incompreensíveis, ou pior, repreensíveis. Mas se fizermos apenas o exercício de apreciar sem tentar compreender, de perceber a beleza que a diferença tráz ao mundo, seremos com certeza melhores por isso.
– O Rapaz Que Prendeu o Vento, de William Kamkwamba – o autor nasceu numa família muito pobre no Malawi, numa pequena aldeia rural. Muito curioso e muito desejoso de aprender, acabou por ter que sair da escola por falta de meios dos pais. Mas continuou a aprender como podia, nomeadamente através duma biblioteca escolar. Quando se depara com um livro que explica o funcionamente dos moinhos de vento, vai começar uma empreitada que poderá finalmente trazer a electricidade a toda a aldeia. Foi uma história fabulosa e muito bem contada. É daqueles livros que me foi oferecido e que já ofereci também a muita gente, recomendo muitíssimo, até como leitura para os mais novos.
– Histórias Naturais, de Clara Pinto Correia – este é não só um livro antigo, como é possivelmente o menos conhecido desta autora/bióloga. É um pequeno livro cheio de pequenas curiosidades sobre o mundo vivo, escrito duma maneira divertida e acessível. Uma espécie de biologia para não biólogos, pessoas que gostam de curiosidades sobre a diversidade do mundo natural. E mais uma autora portuguesa nesta lista.
– Freakonomics, de Steven D. Levitt e Stephen J. Dubner – para não pensarem que isto é só viagens e ciência, também dou uma perninha na economia, com a sua versão light, para não iniciados. Este livro é uma colecção de investigações interessantes, feitas no ambito da Economia, e que nos mostra que realmente podemos analisar tudo estatisticamente. Muito interessante, uma leitura fácil e que nos pode abrir novos horizontes.
Espero que tenham ficado com vontade de ler algum, e se assim foi voltem cá para contar a experiência. Da minha parte este ano vou tentar ler mais não-ficção, que é sempre enriquecedora. Até já comecei a seguir mais um prémio literário para me ajudar nessa tarefa, mas sobre isso falarei mais tarde.
Até lá, Boas Leituras!