Livros Que Recomendo – Budapeste

budapeste

Na sequência do recente prémio Camões atribuído a Chico Buarque, hoje venho recomendar o único livro dele que li até hoje. Na realidade, gostei tanto deste livro que não percebo porque ainda não li outros, mas a minha lista de livros para ler é vasta como o universo.

Budapeste junta duas coisas que eu gosto muito, livros e a cidade que lhe dá o nome. Budapeste é sem dúvida uma das cidades que mais gostei de visitar.

Mas voltando ao livro, aqui conta-se a história de José Costa, um escritor fantasma, que escreve livros, artigos e o que mais lhe encomendarem, mas sempre em nome de outra pessoa. Apesar de ter uma vasta bibliografia, na realidade é como se não existisse, já que o seu nome nunca aparece.

José Costa vai passar um tempo em Budapeste, quase acidentalmente, e aí enamora-se pela língua e por uma mulher húngara que vai ser a sua professora. Vai andar dividido entre o Brasil e a Hungria, entre a esposa e a professora, e a sua vida e visão do mundo vão mudar radicalmente.

Este é um livro sobre identidade, linguagem e relações humanas, aquilo que nos define e as nossas aspirações. Apesar de o ter lido há muitos anos, a sua essência ainda permanece comigo.

Recomendo a todos os fãs de Chico Buarque, de boas histórias, os que já visitaram ou desejam visitar Budapeste, e os que, como eu, acham o húngaro uma língua fascinante.

Boas leituras!

Prémio Camões 2019

chico buarque

No passado dia 22 ficou conhecido o vencedor do Prémio Camões 2019, o muito aclamado escritor de livros e canções, Chico Buarque.

Mas o que é o Prémio Camões? Instituído em 1988 pelos governos de Portugal e do Brasil, destina-se a premiar um autor cuja obra tenha contribuído para o enriquecimento do patrimônio literário e cultural da língua portuguesa. Tem um valor pecuniário, mas é também prestigiante sendo o prémio mais relevante da literatura portuguesa.

Apesar de ser de iniciativa luso-brasileira, contempla autores de toda a lusofonia, e até ao momento só não foram contemplados escritores timorenses, guineenses e são tomenses.

Dos 31 premiados até à data apenas li 6, entre portugueses, brasileiros e moçambicanos. Por um lado considero estar em défice (Germano de Almeida está eternamente na minha lista de próximos a ler), por outro lado acho que esta lista tem muito de consensual e óbvio. Premiar Chico Buarque foi de certo modo dar uma pedrada no charco e quebrar com esse padrão, o que me deixou entusiasmada.

Fica a sugestão, e Boas Leituras!

Os Mortos Ainda Dançam

dead can dance
Foto de Rita Carmo, retirada daqui

Em Setembro passado, sensivelmente uma semana antes de saber que estava grávida, os Dead Can Dance anunciaram duas datas para concerto em Lisboa. Sendo o que mais se aproxima do conceito de minha banda favorita, que ao contrário de muitas, não tem perdido qualidade com o passar dos anos. E são muitos, já que a banda formou-se em 1981, tendo começado por ser mais ou menos gótica (editada pela mítica 4AD) mas enveredando mais tarde pelos caminhos da World Music sofisticada.

Comecei a ouvi-los no início dos anos 90, quando uma das minhas alunas (eu dei explicações de matemática e afins durante 16 anos) me ofereceu um CD de Mariah Carey, e eu, depois de agradecer e dizer que gostava muito, fui imediatamente trocar na saudosa Valentim de Carvalho do Fonte Nova. Quando lá cheguei resolvi arriscar no The Serpent’s Egg, porque gostei muito da capa e já me tinham falado bem da banda. E assim começou um amor sincero por músicas que me fazem levantar voo e partir por muitos mundos internos.

E na sexta feira, dia 24, graças a umas queridas amigas que nos ficaram com o jaquinzinho, lá conseguimos ir ao tão esperado concerto.

O que para mim é incrível é a qualidade da voz quer da Lisa quer do Brendan, considerando que já não são meninos novos. As músicas continuam excelentes, tocaram as minhas duas favoritas, Cantara e Host of Seraphim, e eu senti-me levantar voo durante todo o concerto. O ambiente na Aula Magna estava mágico, como se um grande grupo de amigos estivesse a ouvir música. Um privilégio!

Nota também para o concerto de abertura, David Kuckhermann, que tocava uma espécie de discos voadores (handpan), foi acarinhado por todos e preparou lindamente o terreno para o que se passou a seguir.

Boas leituras e boas músicas!

Livros que Recomendo – Segredos de Lisboa

segredos de lisboa

Hoje venho recomendar um livro muito diferente de todos os outros que já recomendei. Um livro de não-ficção, em parte, mas essencialmente utilitário e que nos dá a conhecer coisas novas.

Sempre vivi em Lisboa e sempre gostei de fazer de turista na minha própria cidade, muito antes disso se ter tornado a moda que é hoje. Lembro-me de fazer grandes passeios pela Baixa, Castelo, Alfama, de máquina fotográfica em punho para registar pequenos recantos, e deleitar-me com o facto de andar quase sozinha por aquelas ruas. Hoje em dia isso seria impossível, e cada vez que vou à Baixa fico deprimida, não pelo excesso de pessoas, mas sim pela perda de carácter único, pela massificação, pelas lojas históricas que se perderam, restando quase exclusivamente as cadeias que encontramos em qualquer parte do mundo e restaurantes de paella em pleno Rossio.

Mas este sentimento de desencanto não significa que a nossa cidade tenha deixado de ter recantos para descobrir. Apenas necessitamos de procurar mais e às vezes ter ajuda. Foi por isso que recorremos algumas vezes aos passeios históricos da Time Travellers, duas historiadoras que se dedicam a fazer passeios temáticos em Lisboa, mostrando-nos o passado através do que ainda existe no presente.

Há uns anos elas escreveram um livro, um misto de história e ficção, onde nos mostram algumas pérolas que podemos visitar em Lisboa, sozinhos ou em família. É muito fácil de ler, e cada monumento é precedido por uma pequena ficção história para nos dar um enquadramento e ao mesmo tempo tornar real cada um daqueles locais.

Recomendo a todos os amantes de leitura, de Lisboa, de história e de passeios em geral.

Boas Leituras!

Feira do Livro 2019

feira do livro 2019

Pois é, já estamos a chegar àquela altura do ano em que qualquer amante de livros se sente entusiasmado e predisposto a separar-se de alguns euros em troca de boa leitura (hum… talvez isso seja o ano todo).

Na realidade, como eu já tenho falado aqui, a Feira do Livro tem sido tomada de assalto pelos grandes grupos editoriais e tem perdido ao longo dos anos aquela mística de livros esquecidos no fundo de baús que são verdadeiros tesouros a preços simpáticos. Quantas vezes eu descobri autores novos simplesmente porque a capa e o ser livro do dia me chamava a atenção e saía da feira com mais um “amigo”.

Mas mesmo assim a feira não perde a sua aura de festa, de local privilegiado para se dar um passeio no meio de gente com o mesmo interesse que nós, ao mesmo tempo que se come um gelado ou outra iguaria das muitas que hoje populam o espaço. Quando era miúda, feira era sinónimo de queijadas de Sintra, já que os meus pais compravam um pacote para a família partilhar.

Por isso de 29 de Maio a 16 de Junho passem pelo Parque Eduardo VII e digam-me como aquilo está, que este ano parece-me que vou ter de passar a oportunidade.

Regras Para Evitar Qualquer Crise de Nervos

ricardo-marques

É preciso lutar contra a folha de cálculo que elimina, que despede
é preciso trabalhar contra aquilo que nos põe sem trabalho
é preciso saudar a poesia, tirá-la da torre e cantá-la
é preciso abandonar o que nos aprisiona futilmente
é preciso montar a tenda sobre as possibilidades
é preciso libertar a liberdade com que se nasceu
é preciso lutar contra o medo, com ou sem ele
é preciso vigiar de perto o que se conquista
é preciso conquistar o lugar que nos cabe
é preciso rejeitar frases postas na boca
é preciso deixar de ser um número
é preciso fugir de rajada à rajada
é preciso mentir só à mentira

é preciso questionar
é preciso dizer não
é preciso duvidar

e amar – verdadeiramente.

Ricardo Marques in Didascálias

Livros que Recomendo – Terras do Sem Fim

Terras-do-Sem-Fim

No início da minha idade adulta nutri um grande amor pelos livros do Jorge Amado e li bastantes coisas dele. Fugi das coisas óbvias e que já tinham sido convertidas em novelas da Globo, como a Gabriela e a Tieta, talvez por preconceito e achar que pouco mais seriam que histórias de amor elaboradas, e dediquei-me mais à fase em que Jorge Amado fazia relatos sociais da sua Baía, muito influenciado pela sua ideologia política da altura.

De todos os que li Terras do Sem Fim foi dos que mais me marcou. Neste livro faz-se um relato muito cru e verosímil das guerras pelas terras ferteis do sul da Baía. Vê-se os jogos politícos, a violência, a lei do mais forte, do mais rico e do mais armado. É um retrato dum Brasil que esperaríamos que já não existisse, mas que pelos relatos que vamos tendo de mortes de activistas contra o desmatamento da selva Amazónica, ou defensores das comunidades indígenas, percebemos que não está assim tão distante, talvez apenas mais subtil.

Na realidade é a luta mais antiga do mundo, aquela que diz os meus interesses são mais importantes que os teus, e que existe no Brasil como no resto do mundo (barragens desnecessárias e que são verdadeiros atentados ecológicos e às populações locais, será que nos diz alguma coisa?), mas que aqui foi magistralmente descrita por Jorge Amado.

Aconselho a todos os que gostam duma história forte, bem contada, sobre coisas que se poderiam ter passado na realidade. Todos os que gostam de literatura brasileira, e livros bem escritos no geral.

Boas Leituras!

Ainda o Game of Thrones

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Não deve haver ninguém com acesso ao mundo digital que não saiba que está a ser transmitida a tão esperada última temporada do Game of Thrones. Mesmo aqueles que aproveitam todas as oportunidades para nos relembrar que nunca assistiram a um episódio. Ora, eu tive uma relação tardia com esta série. Li os livros e estava bem assim, tirando o facto de que o senhor George R. R. Martin nunca mais se digna a terminar os últimos volumes para finalmente percebermos o que iria acontecer em Westeros.

Quando finalmente perdi a esperança de alguma vez saber o final da história via livro, resolvi que ver a série era melhor que nada, já que pelo menos me traria algum sentimento de conclusão a uma história que andou comigo desde 2012. Por isso o ano passado vi todas as seasons de empreitada e fiquei pacientemente à espera que este ano terminasse a agonia.

Eu nem sou pessoa de estar sempre a refilar do que está diferente na série/filme em relação ao livro que lhe deu origem. Há concessões que têm que ser feitas, liberdades artísticas que têm que ser tomadas, etc. Mas esta é a primeira temporada que não tem rigorosamente nada dos livros em que se apoiar, e isso é gritante. As incongruências, soluções fáceis e previsiveis que nos têm sido apresentadas são mais que muitas.

No fundo, parece as coisas que eu escrevia, com as devidas distâncias. Quando eu era miúda adorava escrever contos. Começava sempre com histórias muito elaboradas, um belo plano de acção. Depois aborrecia-me, mas como não queria deixar aquilo por terminar, dava assim um final a correr, escrito às 3 pancadas, só para me livrar daquilo. Na realidade, se pensar bem no assunto, era também assim que eu fazia os meus exames de faculdade. Não tinha paciência para estar 3 horas fechada numa sala a escrever, começava a ter ataques de liberdade, e acabava tudo de qualquer maneira só para poder sair da sala.

Na realidade os argumentistas do GOT parecem estar a ter uma maciço ataque de liberdade.

Depois, é incrivelmente mais dificil seguir uma série quando se tem um piolho de mês e meio cuja principal função na vida é chorar, tentar ensurdecer os pais ou levá-los à loucura. Temos sorte se conseguirmos acabar de ver um episódio antes de ser transmitido o da semana seguinte. O que significa que andar no Facebook é como pisar terreno minado, porque aparentemente o novo desporto é inundar as redes sociais de spoilers e tentar estragar a experiência a todos os desgraçados que não estão agarrados à televisão às 2 da manhã.

E pronto, queria partilhar o meu descontentamento sobre o GOT, coisa na realidade pouco relevante, mas que se coaduna com a minha capacidade cerebral do momento.

Boas Leituras!

Sem Título

patricia Baltazar

04:04 a.m.

Não vai doer. É bater de frente com a morte. Olhar a silhueta das asas de um anjo.

Ácido na língua. Mãos apertadas nos joelhos à espera da solução para os vícios.

Não dói nada. Sou uma fada de botas da tropa.

É o meu delírio sempre a horas certas dentro de um aquário híbrido. Estranhar ser pessoa. Estranhar ter crescido. Ter de ser crescida. Sem pele. Coleccionadora de vestidos que não posso vestir.

É incrível como a torre pode cair.

Devia, antes de saber se caio, demolir um assunto grande. Só para assistir à cadência. Como com as estrelas, mas sem desejar.

Não vai doer. É só uma luz muito aguda.

Patricia Baltazar in Catapulta, 2014