O Elogio da Mentira

Patricia Melo

Algures no início do ano conheci Patrícia Melo através do seu livro Inferno, de que falei aqui, e fiquei bastante impressionada. Aliás, ficámos os dois cá em casa, o que levou a cara-metade a comprar outro exemplar dela para prosseguirmos leitura.

Infelizmente, este Elogio da Mentira não é tão interessante. A premissa está engraçada, um escritor de romances policiais de cordel que se envolve com uma bióloga especialista em ofídios (cobras e afins) e tentam planear o crime perfeito para se verem livres do marido dela. No entanto a história por vezes perde-se em demasiadas voltas e torna-se um pouco maçadora.

O ponto alto é o sentido de humor de Patrícia Melo, e o sarcasmo com que analisa a nossa sociedade actual, neste caso a brasileira. Há personagens verdadeiramente deliciosas, como a mãe do protagonista que entra numa luta de megafones com os vendedores ambulantes e acaba por conseguir expulsá-los da rua, ou os escritores de livros de auto-ajuda e seus clichés, que me fizeram sorrir nas minhas viagens de autocarro. No entanto está longe do brilhantismo e do ritmo frenético que nos brindou com o livro que eu li no inicio deste ano.

Com O Elogio da Mentira cheguei à minha meta de 50 livros no Goodreads, mesmo na reta final do ano, por isso venham mais 50 para o ano.

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Os livros de 2017 no Goodreads

Boas Leituras!

A Vegetariana ou o mundo dos sonhos

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Falei há uns tempos no vencedor do Man Booker International deste ano, The Vegetarian, e finalmente tive a oportunidade de o terminar. Mesmo agora que a versão traduzida para português está quase a chegar.

Foi um livro difícil de entrar a principio, e durante as primeiras páginas estive um pouco indecisa se gostava ou não do que lia. O primeiro narrador não é um personagem por quem se sinta simpatia, e as diferenças culturais são notórias e nem sempre fáceis de gerir, principalmente para nós mulheres. No entanto a história começa a desenrolar-se e a ser cada vez mais envolvente e leva-nos de arrasto pelo estranho mundo dos sonhos.

Na realidade o vegetarianismo não é o ponto central do livro e serve apenas como ponto de partida, ou se quisermos, como ponto de referência. Neste caso é um símbolo de quebra das normas e convenções, de asserção de individualidade pessoal e de como isso pode ser incómodo para os que nos rodeiam.

Até que ponto é fácil para nós seguirmos os nossos sonhos e as nossas convicções, ou estamos na realidade presos a ideias pré concebidas, e conceitos de normalidade e sobretudo a uma ideia muito generalizada de como a vida deve ser vivida e a que padrões devemos aderir. Até que ponto seguir indiscriminadamente um sonho sem apoios acaba por nos poder levar à loucura.

Um livro que é por vezes lindíssimo, com imagens de pura beleza, principalmente no segundo capítulo, noutras vezes frio e brutal, lê-se num sopro e deixa-nos a pensar.

Recomendo a todos que gostam de histórias pouco convencionais, do colorido asiático e de reflectir.

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“Perhaps this is all a kind of dream” She bows her head. But then, as though suddenly struck by something, she brings her mouth right up to Yeong-hye’s ear and carries on speaking, forming the words carefully, one by one. “I have dreams too, you know. Dreams… and I could let myself dissolve into them, let them take me over… but surely the dream isn’t all there is? We have to wake up at some point, don’t we? Because… because then…”

Uma família às direitas

O Meças

Estes poucos dias de descanso que tive em Agosto revelaram-se muito produtivos para livros de produção nacional. Depois de devorar um dos que comprei na estação de serviço, do João Aguiar, peguei finalmente noutro que tinha ganho num passatempo da Time Out. Mais um, depois do Dog Mendonça do Filipe Melo. Todos os meios são bons para arranjar boas leituras, especialmente em português.

Nunca tinha lido nada deste autor, e para ser extremamente sincera nem sequer tinha ouvido falar dele. O Peixinho Vermelho é que me disse para concorrer porque queria ler este livro, e eu assim fiz e tive sorte. Depois disso já vi um episódio da série Os Livros sobre o autor, e fui obviamente pesquisar sobre a sua vida. Fiquei a saber entre outras coisas que Rentes de Carvalho tem um blog, Tempo Contado, ao qual eu agora dou uma espreitadela regular.

O Meças é um livro muito interessante. A escrita é densa e quase poética, cheia de reflexões e pensamentos. Os personagens são todos difíceis e por nenhum senti sequer empatia, no entanto não consegui deixar de ler vorazmente a história e seguir todos os seus movimentos com atenção. O personagem que dá título ao livro é um velho irascível e dominador, que se vê a braços com o filho e a nora. No meio de tudo isso aparece um outro homem misterioso cuja relação com a história se vai revelando lentamente mas que também não nos aquece o coração.

Mais que tudo percebe-se um profundo conhecimento da natureza humana, das dificuldades dos meios rurais e a velha máxima que em terra de cegos quem tem um olho é rei. Acho que se consegue também sentir a nostalgia de quem, como o autor, vive longe do seu país há muitos anos e tem já sobre ele um olhar desapiedado e cru, fruto talvez das circunstâncias em que foi forçado a abandoná-lo.

Fiquei fã e com vontade de investigar mais livros do autor. Terei de investigar nos meus alfarrabistas do costume ou esperar que a Time Out faça mais passatempos do mesmo género. Se alguém souber de alguma coisa, que passe palavra.

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O Meças 2

História de Pedro e Inês

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Como já falei aqui muitas vezes ando a atravessar uma espécie de reader’s angst. Onde antes eu mal podia esperar acabar um livro porque tinha logo dois ou três em lista de espera, agora fico alguns dias a marinar no que hei-de ler a seguir, sem grande vontade de pegar em nada. Se calhar é visionamento de episódios da Buffy em excesso, mas a  cada um o seu pecadilho.

Assim, quando fui para o meu mini-passeio de férias levava o Kindle bem recheado, mais um livro em papel dum autor português e pensava que estava preparada para o descanso. E isso durou até à primeira estação de serviço, onde encontrei aquelas edições de bolso da Leya que mesmo sem pensar em comprar vou sempre espiolhar. E desta vez caí completamente na armadilha, pois não só tinham As Aventuras de João Sem Medo, livro delicioso que uma amiga me emprestou há uns anos e que eu fiquei apaixonada, como na compra de dois livros ofereciam um saco de pano. Ora assim é impossível resistir e lá vim eu não com um, mas dois livros e um saco nos braços.

E que livro escolher para acompanhar o João? A escolha era variada e interessante, mas acabei por trazer Inês de Portugal, do João Aguiar. Este é sem dúvida um dos meus escritores portugueses favoritos. Li A Voz dos Deuses há alguns anos e adorei. Como segui ciências no 10º ano o meu conhecimento de história é pouco e na sua maioria adquirido através de livros e documentários. E os livros deste autor, para além de contarem histórias muito envolventes, estão também envolvidos numa roupagem histórica que os torna ainda mais ricos.

Até agora tinha lido sempre livros da era da colonização romana, período que gostei muito e sobre o qual já tentei encontrar mais informação sem grande sucesso. O mundo dos livros de história ainda é difícil de desbravar e não consigo distinguir os que valem a pena ler dos que são pesados calhamaços de escola. Este é não só dum período diferente, como o nome deixa antever historieta de amor, coisa para a qual me falta paciência.

No entanto foi uma agradável surpresa. O amor está lá em pano de fundo, mas o enredo foca-se mais na conjectura política e nas implicações para o país de todo o caso, o que tornou o livro muito interessante. Quem o lê à espera duma profunda história de amor como usualmente é retratada vai ficar desiludido, mas para mim foi muito melhor assim.

Não tão bom como A Voz dos Deuses , mas mesmo assim leu-se num fôlego e como sempre tem notas explicativas no final, para percebermos o que foi realidade e o que foi liberdade artística e acabarmos a leitura com mais conhecimento do que começamos.

Recomendo a todos os que gostam de história ou simplesmente dum livro bem escrito.

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The High Mountains of Portugal – Yann Martel

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Thank you to NetGalley.com and to Random House for the ARC of this novel in exchange for my honest review.

Li a “Vida de Pi” em 2012 e gostei imenso. A sua estranheza e profundidade da história cativaram-me e foi daqueles livros que ficam gravados na memória. Lembro-me da referência que o autor fazia na introdução ao facto de estar a trabalhar num livro passado em Portugal em 1939, e posso apenas assumir que se estivesse a referir a este.

A oportunidade de ler este livro, ainda antes de ser editado e traduzido em Português foi uma daquelas coisas que nos enchem de excitação e temor ao mesmo tempo. Porque há sempre espaço para a desilusão nestes segundos encontros.

Mas não foi o caso. Este livro tem o bónus adicional de se passar quase exclusivamente em Portugal, e nota-se que o autor fez um esforço de investigação porque as descrições são muito ricas e coerentes, os nomes das povoações são reais, e mesmo as descrições das pessoas são familiares. Conseguimos imaginar passo a passo os aldeões transmontanos tal como o autor no-los transmite, e isso foi muito refrescante.

Por outro lado este livro fala de temas maiores, amor, dor e perda sem nunca ser lamechas ou vulgar. Está repleto dum realismo mágico que nos transporta a outros mundos dentro deste. Tal como a Vida de Pi, também aqui sabemos que algumas coisas não podem ser reais, mas ao mesmo tempo conseguimos vê-las como se fossem.

Depois este livro toca a minha vida numa tangente curiosa. Na primeira história fala-se muito de São Tomé, destino que eu persigo desde sempre, e ao qual espero ir um dia. Na segunda os personagens vivem um caso de amor com os livros de Agatha Christie, mesmo na altura em que eu propria comecei a relê-los por ordem de publicação, por um sentido de prazer e de dever. A ultima história tem as descrições mais bonitas de Trás-os-Montes, sitio que adoro. Incrivel como parece tão familiar e unico apesar de descrito por alguém que não é de lá.

Recomendo a todos aqueles que gostam de uma história bem contada, que gosta de ver a realidade dum prisma diferente e a quem aguenta um pouco de realismo mágico.

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