A Fala do Rosto

jose-tolentino-mendonca

És Tu quem nos espera
nas esquinas da cidade
e ergue lampiões de aviso
mal o dia se veste
de sombra

Teu é o nome que dizemos
se o vento nos fere de temor
e o nosso olhar oscila
pela solidão
dos abismos

Por Ti é que lançamos as sementes
e esperamos o fruto das searas
que se estendem
nas colinas

Por ti a nossa face se descobre
em alegria
e os nossos olhos parecem feitos
de risos

É verdade que recolhes nossos dias
quando é outono
mas a Tua palavra
é o fio de prata
que guia as folhas
por entre o vento

José Tolentino de Mendonça 

Feira do Livro de Lisboa 2024

FLL2024

É já daqui a sensivelmente um mês que a Feira do Livro volta a acontecer, no seu local habitual no Parque Eduardo VII. Vai de correr de 29 de Maio a 16 de Junho, mais que tempo para darmos lá uma voltinha, ou mais, consoante o gosto.

O ano passado levei lá o carapau pela primeira vez. Apanhámos uma história infantil a ser contada, que ele muito apreciou, e escolhemos um livro para ele trazer. Mas deu apenas para ver metade da feira, e para o final já com esforço, que a criatura é pouco dada a coisas para ver, em vez de coisas para fazer, como parques e afins. Mas é um apreciador de livros, e há que cultivar esse gosto, porque é uma ferramenta para a vida.

Por isso este ano tenciono levar o carapau novamente, e talvez consiga eu própria dar lá uma escapadinha para ver livros para mim.

E vocês, já planearam a vossa visita? Mantenham-se a par de tudo, incluindo livros do dia e afins, no site da Feira, aqui.
Boas Leituras!

Finalistas do International Booker 2024

international booker 2024 shortlist

Foi anunciada no passado dia 9 de Abril a lista de finalistas ao International Booker Prize 2024, que premeia autores traduzidos para inglês nos últimos 12 meses.

Ainda não tive oportunidade de me debruçar muito sobre esta lista, porque como já disse aqui mil vezes, tenho andado em modo de poucas leituras, mas tendencialmente tenho retirado desta lista em anos anteriores muitas leituras boas. Por isso aqui deixo os finalistas, e devo dizer que há alguns que queria mesmo ler, e já estão no meu Kindle.

  • Not a River de Selva Almada, traduzido por Annie McDermott – Selva Almada, não só tem um nome fenomenal, como é uma escritora de renome na sua Argentina Natal, e no mundo latino-americano em geral. Este livro foi agora traduzido para inglês e conta uma daquelas histórias-não-histórias, que contam pela interação entre as personagens e pelo ambiente, mais que pelo desenrolar da acção. Neste caso, a interação entre dois homens e um adolescente que vão pescar para uma ilha e acabam por alienar a população local com as suas atitudes. 4.01 no Goodreads e 104 páginas. Entretanto o Jack Edwards, aka o rei do booktube, não achou este livro fascinante, por isso o meu entusiasmo esmoreceu um bocadinho.
  • Kairos de Jenny Erpenbeck, traduzido por Michael Hofmann – autora alemã, traz-nos uma história de amor que começa em Berlim Oriental algures nos anos 80 do século passado. A sua evolução complicada vai espelhar o declínio da Alemanha de Leste, e a adaptação a um mundo completamente diferente. 3.54 no Goodreads, com algumas críticas mornas e  379 páginas que também não ajudam. Mas tenho visto boas reações a este livro, e algumas más reações que mesmo assim espicaçaram a minha curiosidade, por isso já está no meu kindle.
  • Mater 2-10 de Hwang Sok-yong, traduzido por Sora Kim-Russell e Youngjae Josephine Bae – uma ficção épica, transgeracional sul-coreana, que atravessa um século de história, até chegar ao século XXI, e se foca em trabalhadores dos caminhos de ferro e de uma fábrica. Parece ser bastante interessante, mas grandito (486 páginas). 3.89 no Goodreads.
  • What I’d Rather Not Think About de Jente Posthuma, traduzido por Sarah Timmer Harvey – a narradora desta história tem um irmão gémeo que na idade adulta decide pôr termo à vida. A irmã que fica vai contar a sua história, através da sua perspectiva, de alguém que está a sofrer e zangada ao mesmo tempo. Parece-me muito interessante, principalmente porque não foi escrito dum modo pesado. 224 páginas e 3.84 no Goodreads, parece-me um bom candidato.
  • The Details de Ia Genberg, traduzido por Kira Josefsson – autora sueca que nos trás as memórias duma mulher febril, e a história das 4 pessoas que mais impactaram a sua vida. Com apenas 112 páginas, tem potencial para ser uma pequena pérola. 3.91 no Goodreads.  
  • Crooked Plow de Itamar Vieira Junior, traduzido por Johnny Lorenz – Torto Arado, dum autor brasileiro, não preciso obviamente de ler a tradução e já anda no meu radar há bastante tempo. A história de duas irmãs descendentes duma familia que trabalha nos campos há muitas gerações, e que têm uma visão de vida completamente diferente. 280 páginas e 4.54 no Goodreads, o que é impressionante.

Já leram algum? Está algum na vossa lista de livros a ler? Digam-me de vossa justiça.

Boas Leituras!

História Clínica

joao luis barreto guimaraes

As mamas da Dona Ana eram um
sítio maravilhoso. Maduras (qual
par de mangas) de entre elas saíam
coisas extraordinárias
(notas de 5 para os netos
lenços bordados no Minho) uma ou
outra medalha do mau-génio
do marido. Dessa vez veio à cidade e
o doutor ficou com uma –
ela deixou de poder encravar no meio delas
tudo aquilo e os santinhos
(deste lado uma colina alta e generosa desse
um prado dividido). Num ano
levou-lhe a outra e outra levou-lhe
o marido (ainda há mulheres com sorte:)
está enfim
livre de perigo.

João Luis Barreto Guimarães in Você está Aqui

Pedra Tumular

couto

A minha geração fugiu à guerra,
Por isso a paz que traz não tem sentido:
É feita de ignorância e de castigo,
Tão rígida e tão fria como a pedra.

Desfazem-se-lhe as mãos em gestos frágeis,
Duma verdade inútil por vazia,
E a língua imóvel nega o som à vida,
Por hábito ou por falta de coragem.

Se há rumores lá de fora, às vezes, lembra:
Porque é que pulsa o coração do mundo,
Precipitado, angustioso, ardente?

Mas depressa submerge na indiferença
– Que lhe deram um túmulo seguro;
E o relógio dá-lhe horas certas, sempre.

António Manuel Couto Viana

Finalistas do Women’s Prize for Non-Fiction 2024

WPFNF - shortlist 2024

Foi no passado dia 27 de Março que saiu a lista de finalistas ao novo prémio literário, o Women’s Prize for Non-Fiction, que pretende distinguir mulheres que tenham investigado e documentado um tema. Achei a lista de nomeados interessante, e com muitas possibilidades de boas leituras. Mas acabei por não pegar em nenhuma, porque passei o mês de Março quase todo com os mesmos dois livros, e ainda não consegui passar disso.

Quanto às finalistas, estou dividida. Três delas estavam definitivamente na minha lista de livros para ler, as outras três pareceram-me ter potencial de aborrecimento associado. Em todo o lado que tenho visto falar disto, Doppelganger parece ser consensualmente aclamado, e está certamente no topo dos meus interesses.

Deixo-vos novamente um resumo das sinopses.

All That She Carried, de Tiya Miles – Algures nos anos de 1850 no sul americano, uma escrava de nome Rose deu à sua filha Ashley, de 9 anos, um saco com alguns pertences como prova do seu amor, e como ajuda à sua sobrevivência. Foram posteriormente separadas e a filha foi vendida. Décadas mais tarde, a bisneta de Ashley encontra o saco e borda-o com palavras de amor. Esta história dá o mote para a autora ir pesquisar mais sobre estas mulheres, e com isso fazer um retrato de resiliência e sobrevivência. Grandito, com 385 páginas, e 3.95 no Goodreads.

Code Dependent, de Madhumita Murgia – uma reflexão sobre o impacto da tecnologia moderna, especialmente a inteligencia artificial, no significado de ser humano, nas nossas relações sociais e na nossa identidade. 4.16 no Goodreads, e 320 páginas, este não está no topo das minhas prioridades.

A Flat Place, de Noreen Masud – A visão duma mulher habituada às montanhas do Paquistão e da Escócia sobre as planícies inglesas, dum modo quase poético, e reflectivo sobre o pós-colonialismo. 4.31 no Goodreads e 256 páginas.

Thunderclap, de Laura Cumming – Mais uma reflexão semi-poética, neste caso sobre a pintura e sua relação com a vida real, ou como pode afectar o nosso modo de pensar e ver a vida. Este relâmpago do título refere-se ao som duma explosão de pólvora em Delft em 1652, que devastou a cidade e se ouviu a muitos kilómetros de distância. Nessa explosão morreu Carel Fabritius, um pintor que ficou apenas com um quadro conhecido, e do qual pouco se sabe. Tem uma premissa engraçada, mas é daqueles que podem ser muito giros ou muito chatos. Tem 4.23 no Goodreads, o que é sempre boa indicação e umas apetecíveis 272 páginas.

Doppelganger, de Naomi Klein – a autora deste livro partilha o nome com uma “influencer chalupa” das redes sociais, e é algumas vezes confundida com ela. Isso desperta-lhe a atenção e é o mote para analisarmos algumas destas tendências estranhas, como ser anti-vacinação, ou não acreditar nas alterações climáticas, e afins. Uma espécie de retrato dos nossos tempos, e uma reflexão sobre a identidade. 4.26 no Goodreads, parece-me muito interessante, apesar das 416 páginas.

How to Say Babylon, de Safiya Sinclair – a autora é jamaicana, filha dum rastafari muito rígido, e que impedia as suas filhas de qualquer vida social, para manter a sua pureza e defendê-las da Grande Babilónia. Um olhar sobre uma cultura de qual se fala pouco, por quem a viveu de perto. Mais um que promete. 4.49 no Goodreads e 352 páginas, está definitivamente na minha lista de livros a ler.

Já leram algum? O que acharam? Outras não-ficções que achem interessantes e me queiram sugerir? Fico à espera!

Boas Leituras!

Don’t Hesitate

Mary Oliver

If you suddenly and unexpectedly feel joy,
don’t hesitate. Give in to it. There are plenty
of lives and whole towns destroyed or about
to be. We are not wise, and not very often
kind. And much can never be redeemed.
Still, life has some possibility left. Perhaps this
is its way of fighting back, that sometimes
something happens better than all the riches
or power in the world. It could be anything,
but very likely you notice it in the instant
when love begins. Anyway, that’s often the
case. Anyway, whatever it is, don’t be afraid
of its plenty. Joy is not made to be a crumb.

Mary Oliver