Quase um Poema de Amor

miguel torga

Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor.
E é o que eu sei fazer com mais delicadeza!
A nossa natureza
Lusitana
Tem essa humana
Graça
Feiticeira
De tornar de cristal
A mais sentimental
E baça
Bebedeira.

Mas ou seja que vou envelhecendo
E ninguém me deseje apaixonado,
Ou que a antiga paixão
Me mantenha calado
O coração
Num íntimo pudor,
— Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor

Miguel Torga

Livros que Recomendo – Siddhartha

Siddartha

Publicado em 1922 e escrito por Herman Hess, Siddhartha foi uma espécie de introdução europeia ao budismo, no sentido em que o tornou conhecido de muita gente graças ao sucesso do livro. No entanto ele não é muito correcto no que respeita a princípios ou história do budismo, e não deve ser encarado como um tratado sobre o assunto.

No entanto, é um belíssimo livro, muito bem escrito, uma história poética sobre um homem que cresce nalguma opulência e percebe a determinado momento que tem que haver mais na vida do que apenas os bens materiais, e decide partir em busca de si próprio e do sentido da vida. Vai viver com monges ascetas, vai sucumbir ao encanto duma mulher e ser pai, vai viver como um comerciante entregue aos prazeres do mundo, até no fim da vida finalmente atingir o estado de alma que procurava.

É a linguagem deste livro que o torna num texto bonito, que nos ajuda a reflectir naquilo que podemos fazer para melhorarmos enquanto pessoas. No fundo é como um livro de auto-ajuda bem escrito e poético.

Recomendo a todos os que gostam dum livro simples e fluido, cheio de imagens belas e que nos faz pensar.

Boas Leituras!

Acabei de Ler – Maré de Sorte, Poirot #28

Poirot 28

Lá continuo eu alegremente a ler Poirots com um espírito de missão. Este 28º volume foi interessante e a história só me era vagamente familiar, muito lá no fundo da memória. Por isso foi com prazer que fui lendo os desenvolvimentos. Gordon Cloade é um milionário que morre na queda de uma bomba na sua casa de Londres, 15 dias depois de casar com uma jovem de 24 anos. Essa jovem e o seu irmão sobrevivem e ela é herdeira de toda a fortuna, uma vez que Gordon não teve tempo de refazer o seu testamento.

O que parece uma maré de sorte (título muito bem traduzido, devo dizer), é na realidade um duro golpe para a família alargada de Gordon Cloade que se tinham habituado a viver na dependência da sua ajuda financeira. É então que uma série de crimes começam, e mais uma vez Poirot vem salvar o dia.

Este é mais uma daquelas histórias em que Poirot é quase um espectador e limita-se a aparecer quase no final do livro para desvendar o crime. Apesar de perceber que Agatha Christie estava cansada do personagem que criara, ele é sem dúvida a alma destes livros e sente-se a sua falta quando ele aparece tão pouco. Este livro foi engraçado, mas não foi dos melhores, e a narrativa acabou por parece demasiado fantástica e rebuscada.

Recomendo a todos os que querem um livro leve de verão, daqueles que se levam para a praia e lêem a comer um gelado entre banhos.

Boas Leituras!

Goodreads Review

 

Acabei de Ler – A Sociedade Literária da Tarte de Casca de Batata

potato peel

Estou a meio dum grande livro de viagens passado nas ilhas do Pacífico. O livro é muito bom, mas de vez em quando apetece-me descansar e pegar numa coisa mais leve e fácil de ler. Desta vez vi falarem deste livro num blog que sigo e resolvi pegar nele, na expectativa que seria uma leitura fácil e rápida.

Pois não fui enganada. O livro é mesmo isso, uma leitura fácil, rápida e descomprometida. Juliet escreveu crónicas humoristicas para um jornal durante a Segunda Guerra Mundial e teve bastante sucesso, ao ponto de lançar um livro com a sua compilação. Nesta época difícil do pós guerra, parte numa tour literária para apresentar o seu livro. Simultaneamente é contactada por um homem que vive em Guernsey e que comprou um livro em segunda mão que lhe pertenceu. Isso dá azo a uma amizade epistolar, e toda a história se desenvolve a partir daí.

Todo o livro é escrito através de correspndência entre os vários personagens, ou pedaços de diários, o que o torna engraçado. A história em si, apesar de interessante nalguns aspectos, principalmente na parte de ficção histórica, torna-se depois um romance em que Bridget Jones se cruza com Jane Austen, e os clichés que daí advém. O strong silent type versus o homem mundano e deslumbrante, sabendo-se desde o início quem vai sair vencedor desta competição pelos afectos de Juliet.

Portanto, é engraçado mas não deslumbra, ou talvez seja eu que não sou muito dada a romances. Mesmo assim foram umas horas bem passadas e recomendo como leitura leve de verão, sentadas à beira duma piscina a beber algo fresco.

Boas Leituras!

Goodreads (uninspired) Review

Livros que Recomendo – As Serviçais

the help

Nos idos de 2011 fiz uma pequena cirurgia e ainda não tinha Kindle. Sabendo que precisava de me entreter, a minha cara metade comprou-me este livro que era recente e tinha excelentes críticas. Por isso a minha primeira recordação deste livro é de estar a ler sentada num cadeirão com dores.

Mas foi o presente certo, porque é uma história fabulosa, e que nos faz mergulhar inteiramente naquele ambiente, abstraindo-nos de tudo o resto. Entretanto o livro teve imenso sucesso e deu origem a um filme igualmente muito bom.

Este livro passa-se no Mississipi entre 1962 e 1964, em pleno começo da luta pelos direitos civis dos negros americanos e conta a história de três mulheres, duas negras e uma branca. O livro não pretende ser um documento histórico sobre o movimento, apenas o usa, e muito bem, como pano de fundo para estas três histórias paralelas se desenrolarem. As relações entre estas três mulheres, entre aquilo que as rodeia, as convenções sociais e os lugares pré-determinados que cada pessoa ocupa na sociedade fazem um retrato duma época visto duma perspectiva pessoal, mas que ao mesmo tempo se torna maior que elas próprias quando decidem escrever um livro de entrevistas com empregadas domésticas, coisa impensável na altura.

Não é um livro triste apesar de retratar uma realidade dura, é leve e humorístico na maior parte do tempo. Uma grande história, bem contada e que realmente nos prende a atenção.

Boas Leituras!

Livros que Quero Ler – Utopia Avenue

utopia avenue

Ainda há pouco tempo falei aqui do Slade House, o livro de David Mitchell que me faltava ler, e não só ainda não o li, como já saiu o novo dele, Utopia Avenue. Com David Mitchell é especialmente importante ler os livros por ordem de publicação, já que cada livro faz parte dum multiverso em que tudo está interligado, e os livros antigos ganham cores novas ao lermos os mais recentes.

Este Utopia Avenue saiu a 14 de Julho e conta a história duma banda inglesa de rock psicadélico nos anos 60 que editou dois albuns e tem como baixista Jasper de Zoet. Leitores habituais de Mitchell reconhecerão este nome, mas acredito que muitas outras ligações estejam lá escondidas.

As criticas no Goodreads variam entre 5 e 1 estrela, com poucos no consensual meio, o que ainda me dá mais vontade de ler. E depois, uma banda de rock psicadélico dos anos 60 só pode dar um bom livro, certo?

Está na minha lista de livros a ler rapidamente, mas não me parece que seja ainda em 2020.

Até lá, Boas Leituras!

 

Acabei de Ler – Os Três Casamentos de Camilla S.

camilla S

Andava há muito tempo para ler algum livro da Rosa Lobato Faria. Tinha algum preconceito talvez pelo seu ar de senhora composta, mas quando estive a investigar sobre o Humor de Perdição percebi que ela tinha sido parceira de escrita do Herman José e isso só podia augurar coisas boas. Depois vi no Instagram uma citação deste livro e achei que estavam reunidas as condições para me atirar a ele.

E foi mesmo isso que aconteceu, já que o li de um dia para o outro. Camilla S. é uma nonagenária que decide partilhar connosco a sua história de vida, os seus amores e desamores e a sua transição de criança, para jovem mulher vulnerável, para mulher madura e segura de si. Uma espécie de Casa dos Budas Ditosos sem ser para maiores de 18.

A história está bem conseguida, é interessante, a escrita é fluida, mantém-nos agarrados e tem o seu quê de poético. Faz-se uma reflexão sobre o amor, as diferentes formas de amar e ser amada, sem se cair em julgamentos ou preferências, ou mesmo ideiais de romantismo bacocos. Camilla tem tanto de apaixonada como de racional, e consegue manter alguma coerência na sua vida, apesar dos contratempos. As personagens que a rodeiam são também fascinantes, e tudo isto tornou este livro muito prazeiroso.

Recomendo a todos os que gostam duma boa história de vida, com amor à mistura, mas que não se esgota nisso.

Goodreads Review

 

Meu Pobre Portugal

fernando-pessoa

Meu pobre Portugal,
Dóis-me no coração.
Teu mal é o meu mal
Por imaginação.
Tão fraco, tão doente,
E com a boa cor
Que a tísica põe quente
Na cara, o exterior.
Meu pobre e magro povo
A quem deram, às peças,
Um fato em estado novo
Para que o não pareças!
Tens a cara lavada,
Um fato de se ver
Mas não te deram nada,
Coitado, que comer.
E aí, nessa cadeira,
Jazes, apresentável.
(…)
O transeunte amável.

Fernando Pessoa

Livros que Recomendo – Ratos e Homens

steinbeck

Ora aqui está um livro que já está na minha lista para recomendar há imenso tempo. Foi mais um daqueles que li muito nova, provavelmente emprestado ou recomendado por alguém, e foi a primeira coisa que li de Steinbeck. John Steinbeck é um autor americano que ganhou um Pulitzer pelo seu livro As Vinhas da Ira, e que ganhou um Nobel controverso em 1962 (houve muita gente a achar que não era merecido).

Este Homens e Ratos é uma das suas novelas mais conhecidas, uma história rural americana, passada no tempo da Grande Depressão, em que havia dificuldade em arranjar trabalho e a miséria abundava. George e Lennie são dois bons amigos, o primeiro pequeno e esperto, o segundo como uma criança grande. Esta amizade improvável está cimentada no sonho que partilham de conseguir poupar dinheiro suficiente para terem o seu pedaço de terra para cultivar e encher de animais, o sonho americano à sua medida.

É este conceito de sonho americano, aparentemente ao alcance de todos se trabalharem o suficiente, que está aqui em escrutínio numa época tão dura e com personagens tão peculiares. Um livro bonito, mas por vezes dificil de ler, mas importante para vermos a importância e universalidade da amizade. Bom para estes tempos complicados em que vivemos.

Boas Leituras!