Acabei de Ler – Michael Palin’s Hemingway Adventure

Michael Palin

Ando numa fase em que, por variados motivos, não tenho tido muita cabeça/tempo para ler. No entanto, há sempre tempos mortos para preencher, nem que seja antes de adormecer e resolvi recorrer a um velho amigo (Michael Palin) e um tema que me é confortável, a literatura de viagens.

Assim, dos vários livros dele que tenho no Kindle, resolvi escolher um que toca o tema da literatura em geral. Por altura do centenário do nascimento de Hemingway, Michael Palin fez um documentário para a BBC, a partir do qual escreveu depois este livro. A intenção era viajar por todos os sítios onde o escritor viveu ou viajou, e que foram impactantes na sua vida e na sua escrita. Ao mesmo tempo pudémos avaliar também o impacto que a presença de Hemingway teve nos próprios locais, quer em quartos de hotel onde esteve que foram transformados em verdadeiros santuários (Espanha e Cuba, por exemplo), ou como na Florida onde se faz anualmente um concurso de sósias. Mas um pouco por todo o lado que o escritor pisou, a indústria do turismo capitalizou esse facto, e verdadeiros magotes de gente tentam recriar os passos de Hemingway.

Considerando que este livro foi escrito há exactamente 20 anos atrás, é também interessante ver como muitos desses sítios mudaram e se ajustaram nos dias de hoje, em que há mais turismo que nunca.

De Hemingway ainda só li o Velho e o Mar, há muitos anos, e apesar de ter gostado fiquei com a sensação que muito do significado me estava a escapar pelos dedos da juventude. Agora, depois de ler este livro e de ter ficado a conhecer um pouco melhor a vida do escritor, fiquei com mais vontade de pegar num livro dele e perceber porque é considerado por muitos um semi deus da escrita. Ficará para breve.

Até lá, recomendo este livro a todos os fãs de Hemingway, ou do Michael Palin, ou de literatura de viagem em geral.

Boas Leituras!

Goodreads Review

 

A Espantosa Realidade das Cousas

fernando-pessoa

A espantosa realidade das cousas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada cousa é o que é,
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta.

Basta existir para se ser completo.

Tenho escrito bastantes poemas.
Hei de escrever muitos mais. Naturalmente.

Cada poema meu diz isto,
E todos os meus poemas são diferentes,
Porque cada cousa que há é uma maneira de dizer isto.

Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra.
Não me ponho a pensar se ela sente.
Não me perco a chamar-lhe minha irmã.
Mas gosto dela por ela ser uma pedra,
Gosto dela porque ela não sente nada.
Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.

Outras vezes oiço passar o vento,
E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.

Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto;
Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem estorvo,
Nem idéia de outras pessoas a ouvir-me pensar;
Porque o penso sem pensamentos
Porque o digo como as minhas palavras o dizem.

Uma vez chamaram-me poeta materialista,
E eu admirei-me, porque não julgava
Que se me pudesse chamar qualquer cousa.
Eu nem sequer sou poeta: vejo.
Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho:
O valor está ali, nos meus versos.
Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade.

Alberto Caeiro, in “Poemas Inconjuntos”

O Bazar

couto

Mergulho-me na vida, na voz deste bazar,
Com lojas, tendas, vendedores de rua:
É um rio de rumor e cor, tentacular,
Que flui, reflui e, de repente, estua.

Afoga-me o fascínio da faiança, do jade,
Dos electrônicos subtis, sofisticados,
Dos adivinhos da felicidade
Com óculos severos de letrados.

Aqui, na margem de um afluente,
Junto de velhos móveis, de ferragens, de moedas,
De um deus irado, de outro sorridente,
Ambos sujos de pó, nuns farrapos de sedas.

De um disco fatigado de rock, da legenda
Que eu não decifro, com provérbios chins,
Senta-se atento à mão que, ávida, se estenda,
homem dos tintins.

(Viu ele um português, pertinaz e sem pressa,
De olhar estranho, magro, a longa barba preta,
Descobrir, entre o inútil, o valor de uma peça,
Com ciência de sábio e arte de poeta ?)

Além, fumega e aromatiza o gosto
A tenda dos petiscos. Tentação!
Como tudo apetece, quando exposto!
Mas, comê-lo… Não sei se sim se não.

Mais além, Hóng-Kông, no templo do Bazar,
Um bom mercado ao mercador promete
Se ele, submisso, lhe vem pôr no altar
A tangerina, a flor, e lhe acende um pivete.

Entro no Loc-Koc, “casa de tomar chá”.
No alvor das madrugadas,
É uma gaiola imensa, durante o iam-chá
Sorvido entre gorgeios e asas excitadas.

Lá fora, o riquexó, hoje triciclo, rasa
A multidão: persegue uma nesga de espaço,
Levando a rapariga a caminho de casa,
Com os sacos das compras no regaço.

E, ao ritmo da rua e da emoção,
Os meus olhos descobrem, deslumbrados,
Navegando ao pulsar do coração,
Um navio vermelho de caracteres doirados!

António Manuel Couto Viana

La Colomba Ferita

ines dias

A António Barahona

Quando me cansar de voar ou
a ferida estiver finalmente visível,
promete-me que a faca
será afiada e silenciosa.
Que eu não a veja chegar,
como se não tivesse passado
uma vida a pressenti-la nas dobras
do lençol, mortalha de tantas noites.
E antes, dá-me de beber
entre as mãos, conta-me
de céus azuis, sem garras
e sem abismos. Espera que
o meu coração de novo pequenino
se aninhe no calor das tuas veias
e se torne apenas a memória de
um sobressalto contra a tua pele.
Por este livro, por este poema, regresso a Campolide.

Inês Dias

Livros que Recomendo – Salamão e Mortadela

salamao

Ora quem segue o Peixinho sabe da minha predilecção por BD, especialmente aquela que é mesmo uma arte, como Neil Gaiman ou Miguelanxo Prado. Mas às vezes também sabe bem ler daquela BD que não tem mais intuito nenhum a não ser fazer-nos dar umas gargalhadas, e muitas vezes por coisas bastante parvas.

É o caso destes livros do Salamão e Mortadela que li algures no final da minha adolescência e muito me divertiram. O humor não é fino e refinado, e o traço não é absolutamente belo, como tantas coisas que tenho partilhado aqui, mas é entretenimento para toda a família, e sobretudo ideal para alturas, como aquela em que me encontro, que o cérebro não consegue absorver informação muito complexa.

Salamão e Mortadela são agentes da TIA, mas não são uns agentes quaisquer. Salamão é profundamente azarado, e Mortadela tenta sempre resolver tudo com um disfarce inútil, que só ajuda à confusão. São também ajudados por uma fiel secretária, um inventor duvidoso, e claro, têm um chefe irascível e pouco eficaz. Clara paródia aos mistérios do James Bond e às agências secretas como a CIA. O seu autor é um espanhol Francisco Ibañez e a primeira publicação em Espanha já data de 1958.

Sei que se fez um filme recentemente, mas sinceramente não vi e não creio que seja uma obra prima. Os livros também já devem andar esgotados nas livrarias, mas ainda anda muita coisa nos OLX da vida, caso estejam mesmo interessados.

Recomendo a todos os que gostam de divertimento sem compromissos, humor com um toque ibérico e BD em geral.

Boas Leituras!

Livros que Recomendo – A Sangue Frio

in cold blood

Estava outro dia a passar a ferro e a fazer zapping para encontrar alguma coisa digna de se ver na TV, coisa nem sempre fácil nos dias de hoje, quando me cruzei com um filme que já tinha visto e que gostei bastante, Capote, com o fenomenal Philip Seymour Hoffman. Ora, isso levou-me a pensar no livro a que o filme se refere, que já li há alguns anos e que achei bastante bom.

A Sangue Frio (In Cold Blood), foi o livro que Truman Capote se propôs escrever na sequência duma investigação para o New Yorker acerca do homicídio duma familia inteira na sua própria casa, aparentemente sem nenhum motivo conhecido.

No filme seguimos toda a sequência de investigação de Capote, o modo como foi ficando cada vez mais envolvido com os assassinos na tentativa de entender o que se teria passado nas suas cabeças naquela noite em 1959.

No livro, uma espécie de romance real, seguimos todos os personagens desse dia, e Capote quase que faz uma análise psicológica de todos os intervenientes em vez de se limitar a contar factos friamente. Acho que é isso que torna este livro tão rico, muito mais que um relato desapaixonado dum evento macabro, e terá sido esse envolvimento do escritor que o levou a entrar numa espiral depressiva e de abuso de alcóol que eventualmente levou à sua morte.

É um livro interessantíssimo que nos mostra sem pudores a natureza humana, ou pelo menos a sua faceta mais negra. Recomendo a todos os que não se impressionam facilmente e que são fascinados por livros envolventes e bem escritos.

Boas Leituras!

Colecção Livros B Renascida

livros b

Lembro-me de ser mais miúda e ainda não ter o gosto literário muito amadurecido, e virem-me parar às mãos uns livros de capa preta e letras prateadas com toques de fantástico pelo meio. Um dos volumes que tive foi um de contos de Arthur Conan Doyle, aos quais não dei o devido valor e acabei por perder esses livros na espuma dos dias.

Agora, que já leio coisas diferentes e mais abrangentes, tenho pena de já não os ter para lhes dar uma nova oportunidade. Estes livros eram editados pela entretanto desaparecida Editorial Estampa, e foram no total 55 volumes, editados entre 1970 e 1991.

Ora aparentemente não sou a única a ter saudades desta colecção, porque a E-primatur, editora já nossa conhecida por ter reeditado o livro de Vilhena em edição fac-simile, resolveu retomar a colecção e continuá-la.

Assim, já saiu o volume 56 (na foto), e há pelo menos mais 3 na calha, de nomes que vão de Dumas a Chesterton. Deixo-vos aqui um artigo que fala sobre isso, e não se esqueçam de visitar a página da editora, onde se perfilam os novos projectos que eles planeiam desenvolver e onde temos a oportunidade de praticar mecenato.

Boas Leituras!

Bar dos 4 Gémeos

rui caeiro

Para o Manuel de Freitas

E se por acaso quiseres beber, tens
não direi toda a terra pois tudo
aquilo que nela há é escasso
mas uma estreita faixa em forma
de rectângulo ou em forma de país
e lá dentro à beira mar uma cidade
grande bonita e feia que é até
a capital e lá um largo – Praça do Rossio,
assim chamada – e lá um bar
(ah, finalmente) mas um bar
a céu aberto, sem balcão de zinco
e sem barman, sem tamboretes
nem cadeiras e também sem copos
nem garrafas, mas bar à mesma
– dos 4 gémeos, assim chamado –
situado cerca do meio da praça
e se por acaso tiveres mesmo sede
abeira-te deles (isto é, dos 4 gémeos
em bronze), põe a cabeça a jeito
aproxima a boca e bebe, consoante
a sede que for a tua, e bebe – água,
que é o que há lá para se beber.

Rui Caeiro in Revista Criatura 5